[10:11 PM]
O sumiço tem motivo: dias estranhos. E corridos, trabalhando na equipe de produção de um longa-metragem e dirigindo, junto com alguns amigos, o curta-metragem O Quarto Conto, episódio noturno sobre um homem ameaçado. Reflexo dos meus tempos? Agora, já um pouco distante, vejo que cabe o paralelo. Mas o certo é que o tempo longe deste espaço me fez falta – ainda faz. É bom escrever aqui, derramar esboços para quem olha mas não me pode alcançar. Gosto de ter mudado. A facilidade de expressão da infância foi progressivamente sendo substituída por um silêncio espaçoso, cuja ausência de palavras promove os mais insólitos pensamentos. Passando de fases, perdendo anos, colhendo histórias e me servindo de doses homeopáticas de quietude. Da boca fui aos olhos. Silêncio de não saber o que dizer. Roubar da cana a doçura do mel. Num muro pelo qual passei, uma pichação dizia que a saliva é o suor das palavras não ditas, e se for assim, meus pensamentos são os esforços retidos de todos os beijos que não roubei, dos atos que só foram escritos no meu travesseiro, enquanto dormia. Como um amigo meu falou dia desses, chega de pensar (em saudade). Sou eu e é o cinema: ação.
Tangendo o ponto mais elevado do barato, no meio do rio, entre as árvores, uma imagem: falava e me via, me ouvia, como quem escuta a própria voz num registro de áudio e repudia a entonação, o volume, os contornos, o sotaque, toda a modulação vocal que caracteriza nossa personalidade. O negócio me arrepiou. Desde então tenho sentido um distanciamento entre corpo e ideias, dois que não se entendem, tal qual um personagem brechtiano, político por excelência, que deseja viver fora do racionalismo, das linhas geométricas, das formas definidas. Afastado tanto da realidade como do meu próprio corpo. Crescer é desapegar de si mesmo? A sensação que carrego no bolso é a de duas placas tectônicas se distanciando, elevando a maré, espantando os peixes, buscando caminhos opostos e ferindo quem estiver pelo caminho. Se antes o deboche e a expressão espalhafatosa da Tropicália preenchiam as mesas de todos os bares das minhas ruas, agora é o silêncio e o sublime do Clube da Esquina que tocam o pedaço, porque, convenhamos, não há nada mais bonito que o falsete do Milton Nascimento. Ou há: o cheiro que a sua carne rósea deixa nos meus dedos quando acordo.
É a necessidade de falar que me mantém cada vez mais calado, reticente, evasivo, só olhar. Espero por cervejas na varanda, banhos em ribeirão, horas gastas de intimidade e andar junto, a pé. Um tom de azul pela manhã. Por isso a importância disso aqui. Escrevo para ser lido principalmente por mim mesmo, para tentar encontrar o que há de mim nas palavras. Como Fabiano, o vaqueiro de Graciliano, olha para si e diz: - Você é um bicho, Fabiano. Calo, não falo, deixo sangrar. Se não soubesse as palavras certas seria mais fácil, porque calar é difícil, embora o silêncio revele o mundo. O Balthazar de Bresson. O Judas de Caravaggio, a expressão da dor. Goya: a razão cria monstros. Não me peça para falar, não espere nada de mim. Um beijo partido no incêndio dos seus cabelos. A hora é de falar pouco, quase nada, dois sussurros e um olhar: como um bicho, Fabiano.
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