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FEVEREIRO
Cartas de Iwo Jima (Clint Eastwood /2006) A sensação de sair de uma sala de cinema após um filme de guerra comandado por Clint Eastwood é de que nós, homens, nascemos para degustar quatro pratos: inteligência, futebol, mulher e um filme de guerra comandado por Clint Eastwood. Como se não bastasse, a sobremesa dessa vez veio do oriente, numa extensão do projeto oficial de narração da batalha de Iwo Jima, no Pacífico, durante a II Guerra Mundial. O filme coloca os japoneses nos papéis principais e a perspectiva desses durante o conflito, todo fotografado num cinza seco, quase sufocante, onde vários sentimentos são colocados em choque. Ao contrário das limitações que A Conquista da Honra possui e que talvez sejam seu maior agravante, em Cartas de Iwo Jima o velho Eastwood mostra total liberdade na construção de uma história densa (e até então inexplorada nas telas), ancorada num roteiro equilibrado e coeso, que tem ainda na atuação de Ken Watanabe um ponto alto. Era o filme do Oscar.
Maldição (Fritz Lang /1950) Produção pouco comentada do diretor austríaco, Maldição foi um de seus inúmeros filmes rodados nos EUA (daí a notável semelhança com certas produções americanas, dentre elas a mais significante é Rebecca, o primeiro filme fora da Inglaterra realizado por Hitchcock, que também é um filmaço) e não obteve sucesso crítico à época. Lidando bastante com a iluminação e privilegiando o efeito das sombras, Lang fez um filme com uma atmosfera sombria, densa, rodado quase que inteiramente dentro de um mesmo cenário e com uma atuação perversa de Louis Hayward, diabólico no papel principal.
Amor à Flor da Pele (Wong Kar-Wai /2000) Antes de mais nada é melhor confessar que eu fico chapado com Wong Kar-Wai. Tudo nesse filme contribui para minha embriaguez: a elaboração de uma estética plástica, que realça cores quentes e vai ao encontro da personalidade das personagens; a trilha sonora, inserida nos momentos certos, que faz da compra de macarrão na esquina um acontecimento épico; os olhares amendrontados e inseguros de quem não sabe o que esperar do futuro e acaba preso ao passado, fantasiando amores que não viveu; a cumplicidade mútua de duas pessoas desconhecidas, amantes não correspondidos que encontram na desilusão do outro o conforto que sempre buscaram; mas, principalmente, o que me deixa mais entorpecido no cinema do chinês, é a ponte que seus filmes estabelecem com o espectador - ali na tela, aquele que quer se apaixonar, que procura a pessoa ideal e que sente o vazio de viver, é você.
A Conquista da Honra (Clint Eastwood /2006) Não conseguia parar de esperar uma obra-prima antes de assistir ao novo filme do Clint. Todos os cadernos culturais de jornais, revistas e escritos da atualidade estamparam a famosa foto de guerra que serve de mote ao argumento do filme em suas capas nas últimas semanas, e, mesmo que prefira entrar no cinema com o mínimo de informações possíveis sobre a história, foi dificílimo passar imune aos textos sobre o projeto de guerra do velho Dirty Harry. A narrativa constrói-se a partir da famosa foto tirada em Iwo Jima por soldados americanos, e em seu âmago desenvolve-se a discussão a respeito do verdadeiro sentido heróico dos soldados e o papel da imprensa americana para consolidar tal formação. O filme fica aquém das expectativas justamente por ser limitado em seu discurso iconoclasta (espero ansiosamente por Cartas de Iwo Jima, tenho a sensação de que é o filme do ano), não expandindo os horizontes ricos de personagens que freqüentaram grandes guerras. As cenas de batalha são um espetáculo visual à parte, e sendo dotadas de uma veracidade pungente, mostram que há vida (e morte) após o resgate de Ryan. Ainda bem.
Zabriskie Point (Michelangelo Antonioni /1970) Escrevi umas treze linhas há 10 minutos e nenhuma me pareceu suficientemente digna de representar uma palavra ou sensação que seja sobre o que vi. E até agora não sei o que dizer. Ficarei calado como gesto de respeito e por pura devoção, acontecimentos assim são raros nas nossas pobres vidas, porém o impacto causado por eles é devastador.
Roma, Cidade Aberta (Roberto Rossellini /1945) Existem certos filmes que, por figurarem constantemente em listas como fundamentais para uma formação cinéfila, acabam criando em torno de si uma expectativa que age até mesmo inconscientemente - tenho ciência da importância de Rossellini para o cinema, mas tal fato nunca fez com que eu me aproximasse de sua filmografia (creio que seja um equívoco), e Roma, Cidade Aberta não fez jus à uma possível reversão nesse quadro. O que ficou evidente para mim ao término do filme foi a ação fatal do tempo - o impacto que gerou quando exibido na Itália pós-Guerra não resistiu às seis décadas que a narrativa vem atravessando. A despeito disso, há ainda um resquício de força em certas seqüências e no discurso libertário do diretor italiano, que, apesar da sensação de partida perdida, ainda mostram que há um campeonato inteiro pela frente.
A Criança (Jean-Pierre e Luc Dardenne /2005) O filme dos irmãos Dardenne é extremamente objetivo, um cinema direto, quase lacônico, e filmes com esse diferencial só são bem sucedidos quando há talento para lidar com a força das imagens – coisa que os belgas têm de sobra. A história foca o período de transição do jovem prestes a se tornar adulto, quando o peso da responsabilidade e as desilusões passam a inquietar o novo-homem e uma estrada tortuosa se abre à sua frente. Levou a Palma de Ouro em Cannes merecidamente, e sendo o filme honesto que é, - longe de julgar suas personagens ou suas ações - mostra que com uma câmera na mão e uma idéia na cabeça (nesse caso duas) ainda se faz bom cinema.
Sympathy For The Devil (Jean Luc-Godard /1968) O início da fase política de Godard é marcado por esse encontro com a banda inglesa - ainda com Brian Jones vivo - em estúdio durante as gravações da música homônima que acabou se tornando um clássico dos Stones. Em 1968, certamente um dos anos mais significativos da história contemporânea, o mundo assistiu à reformulação de certos valores e conceitos antes estabelecidos, e a arte pensou que aliada à política poderia representar de maneira engajada os anseios de uma juventude com grandes ambições. Os Panteras Negras, o maio francês, o jovem e o mundo, a literatura, a música, tudo isso é despejado no caldeirão de idéias e tratado com grande vivacidade por Godard. Mais do que um simples documento histórico de valor considerável, Sympathy For The Devil é também um cinema que procura refletir, instigar, questionar, e isso, convenhamos, é muito mais interessante.
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