qualquer coisa
num verso intitulado mal secreto
 

30.6.09


[2:59 AM]

O panorama do cinema francês terminou e eu dei mole em não rever Horas de Verão, de Olivier Assayas. Voltei a me entusiasmar com o cara depois de Boarding Gate, típico filme-vinil, de dois lados, onde uma história de amor e vingança entre Asia Argento e Michael Madsen desemboca num thriller frenético, de roupagem moderna, com experimentações de ângulos e cores que catalisam a ação do filme e garantem uma lufada de oxigênio no cinema de Assayas.

Horas de Verão não se propõe a tanto: é um filme tímido, sutil em seus detalhes, que esconde sob uma aparente despretensão uma vontade de abraçar o espectador e trazer o cinema para mais perto dele. Nesse sentido, dialoga diretamente com A Viagem do Balão Vermelho, o poema visual que Hou Hsiao-Hsien realizou sobre o cotidiano. Ambos são dois filmes difíceis de classificar, não se sujeitam a explicações fáceis e se recusam à limitação de síntese proposta por essas pobres linhas.

Está lá o cotidiano, o desenrolar de pequenas tarefas banais, os personagens que se cruzam como se estivéssemos ao seu alcance, táteis, conversando no banco da praça ou ao nosso lado, na esquina, enquanto o sinal não abre. Sem imposições, reduzindo o conflito ao máximo do minimalismo diário e habitual, somos convidados a observá-los, simplesmente, e deixar que a sucessão de suas atitudes e seus compromissos familiares e profissionais se encarreguem de alimentar nosso olhar ao longo da narrativa.

Tal qual Hsiao-Hsien, imagino que Assayas acredite, acima de tudo, na crueldade imposta pela solidão ao homem moderno, perdido no meio de uma avalanche tecnológica e cada vez mais distante de questões fundamentais e necessárias à sua posição (como, por exemplo, um questionamento sobre a função da arte hoje em dia). Fez, então, um filme para que possamos, mesmo que por um instante, devolver a nós mesmos o prazer de observar, pura e asceticamente, onde estamos. São filmes como esse que provam, por maiores que sejam nossas insistências em pensar o contrário, a certeza de Ozu: a rotina tem mesmo seu encanto.



 


é isso aí, bicho

 

26.6.09


[2:04 AM]

O cara era foda. Um ícone, com todas as idiossincrasias próprias do termo: excêntrico, talentoso, controverso (black or white?), polemista, carismático, daqueles poucos sujeitos com capacidade de arrastar os olhos de uma multidão feito ímãs por onde passava, para o bem ou para o mal. Mesmo não sendo nascido quando sua carreira conhecia o apogeu, sempre curti o som de Michael Jackson, a pegada dançante, o suingue e a força com que suas músicas potencializavam a energia de qualquer pista de dança que se preze. Pelo menos enquanto era negão. Os discos de sua época de ouro (que vai do período Motown até o Bad) ainda rolam direto nas caixas daqui de casa, e todo mundo dança.

Não me recordo com muita precisão (quando exageram no meu copo de vodka desconheço o significado do termo), mas, segundo a Isadora, dancei um moonwalk alucinado no palco da Casa Rosa, ano passado, ao som de Billie Jean. Curto demais. Mesmo a galera que patrulha as atitudes do Michael, se armando de pedras e tomates quando seu nome surge em alguma conversa de boteco, arrisca alguns passos e balança o esqueleto quando um DJ tira Rock With You da manga, ressuscitando cadáveres e reavivando corpos inertes. De vícios estamos cheios, quiçá alagados, portanto não irei perder meu tempo discutindo e julgando as debilidades do Michael. Que era o cara. Ou pelo menos foi, soberano, durante muito tempo.

Morre Michael Jackson, o homem que levou a música pop ao seu mais alto grau de excelência, e fica seu legado, enorme, inestimável, que vai da revolução da dança coreografada e do videoclipe aos diretos sobre a obra dos Beatles. O dia de hoje legitimou o fim de uma era para a música e para a cultura pop. Mais uma parte da história se conclui, enterrando num passo para trás o tempo em que se faziam ídolos de proporções globais.
Gostaria de acordar amanhã e me ver vítima do mais ousado golpe publicitário do século XXI, onde Michael ressurgiria mostrando seu poder e sua influência sobre o show business alegando que tal ato foi um misto de paranóia e estratégia para promover sua próxima turnê. Orson Welles aplaudiria de pé, charuto aprumado e copo duplo de uísque, diretamente das catacumbas do Inferno em que se hospeda. Michael saiu de cena com a mesma idade da ainda jovem Motown, gravadora que o lançou há quatro décadas, deixando como última obra a lenda que construiu sobre si.

Rockin’ Robin, the beat goes on! I Want You Back continuará rolando madrugadas afora, sempre quente...



 


é isso aí, bicho

 

18.6.09


[2:41 AM]

Eis a dúvida: como fazer uma reportagem sobre um dos mestres da reportagem? Uma matéria da Veja dessa semana mostrou que sinapses ainda acontecem dentro da redação da revista ao ceder a palavra a Gay Talese, fera do jornalismo norte americano, e deixar que sua eloquência e lucidez norteassem os rumos do papo que gerou o artigo publicado na edição. Sempre pensei que a Veja fosse comandada por robôs políticos dissidentes da Gestapo com sérios problemas em relação ao que acontece no território brasileiro - nesse caso, me enganei. Ou então me enganaram, latarias malditas.

O fato é que vale a pena partilhar a perspicácia da fala de Talese, que atenta para pontos importantes a respeito do posicionamento da imprensa diante dos problemas da sociedade, do governo e do surgimento de novas mídias. Por isso, vai reproduzida aí embaixo, na íntegra, a matéria que a Veja fez sobre o cara. Nesses tempos em que o diploma não é mais exigido e que o jornalismo se mostra cada vez mais asséptico, chega a ser um alívio ler o conteúdo de linhas como essas:

"A imprensa americana caiu na lorota de que havia armas de destruição em massa no Iraque por algumas razões. Primeira: os atentados de 11 de setembro criaram um clima de espanto. Uma coisa é falar de guerra lá longe, na Normandia, no norte da África, falar do general Erwin Rommel, de Mussolini, Hitler. Outra é sofrer hostilidades de forças estrangeiras dentro de Nova York. Era inacreditável, e George W. Bush capitalizou isso. Ganhou enorme poder. Era o nosso defensor contra futuros ataques e o árbitro sobre o que era bom para nós. Fomos induzidos a acreditar que o governo tinha informações que nem o público nem o Congresso conheciam. A imprensa, muito crédula e um pouco ingênua, entrou no clima. Segunda razão: havia um fervor patriótico. A imprensa se sustenta com publicidade, e o pessoal tinha receio de ser percebido como antipatriótico – o que naqueles dias era o mesmo que ser anti-Bush – e acabar financeiramente punido, com os anunciantes debandando. O comediante Bill Maher fez uma brincadeira em seu programa na rede ABC, dizendo que os terroristas podiam ser chamados de tudo, menos de covardes, e foi retirado do ar. Essa atmosfera durou uns dois anos. Terceira: os jornais, Washington Post, The New York Times, efetivamente acreditavam no governo, e, por último, os repórteres que cobriam Washington eram muito diferentes dos repórteres do meu tempo, que cobriram a Guerra do Vietnã nos anos 60. Não eram céticos."

"Os repórteres que estavam em Washington em 2002 não tinham o ceticismo, o estranhamento necessário. Foram educados nas mesmas escolas que o pessoal do governo. Eles vão às mesmas festas que o pessoal do governo. Seus filhos frequentam as mesmas escolas. Todos nadam na mesma piscina, pertencem ao mesmo clube de golfe, vão aos mesmos coquetéis. São repórteres prontos para acreditar no governo. É assim hoje, e era assim em 2002. Os repórteres estavam prontos para acreditar no governo sem pedir provas, evidências, nada. Por pouco, não acusaram Saddam Hussein de ter patrocinado os atentados de 2001. Eram como um bando de pombos para os quais o governo jogava milho. Os repórteres de hoje cobrem a guerra dentro dos tanques das tropas americanas. É ridículo. Um repórter deve prestar contas ao seu jornal, e não ao coronel que está protegendo a sua vida. Num evento público, eu me encontrei com o Arthur Ochs Sulzberger, que hoje dirige o Times, e disse a ele que isso estava errado, que repórteres não podiam trabalhar com militares, mas ele acha que estava certo. Na minha geração, éramos diferentes, éramos de fora, como estrangeiros. Podíamos ter nascido nos EUA, nossos pais podiam ter ido à universidade, mas ainda assim nos sentíamos como estrangeiros. Éramos todos de classe social mais baixa. Éramos judeus, irlandeses, italianos, alguns eram negros. Minha geração não era composta de anglo-saxões que estudaram em Harvard, Yale ou Princeton, que formavam e ainda formam a gente que vai trabalhar no governo ou em Wall Street. No meu tempo, James Reston (1909-1995) era chefe da sucursal do Times em Washington. Reston nasceu na Escócia, mas tinha muito orgulho dos Estados Unidos. Abe Rosenthal (1922-2006) era judeu, nascido no Canadá, seu pai era da Rússia. Meu amigo e o melhor repórter da minha geração, David Halberstam (1934-2007), era judeu, seu pai era um médico militar. Halberstam tinha um senso crítico, um ceticismo notável a respeito deste país. Harrison Salisbury (1908-1993) cobriu a II Guerra e, nos anos 50, foi à União Soviética quando Stalin estava no poder. Salisbury não acreditava em nada. Não acreditava em Stalin, nem em Dwight Eisenhower. Salisbury era como todos nós, de fora. No Vietnã, Salisbury foi para Hanói antes dos soldados americanos para pegar histórias do outro lado. Se Halberstam ou Salisbury estivessem vivos e trabalhando em jornalismo, jamais teriam comprado essa lorota do Iraque. O Times não teria tratado como informação o que era apenas desinformação e propaganda."

"O governo usa a imprensa mais do que a imprensa usa o governo. Hoje, devemos ter uns 10.000 repórteres em Washington. Há uma civilização inteira de jornalistas em Washington. Se eu dirigisse um jornal, eliminaria de 50% a 60% da sucursal de Washington e mandaria os repórteres para outros lugares do país, para Califórnia, Nebraska, Flórida. Sabe o que aconteceria? Estaríamos tirando a ênfase sobre o governo e neutralizando sua capacidade de controlar o discurso político. Em vez de ficarmos segurando o microfone para o governo falar, estaríamos trazendo notícia sobre como as decisões do governo são percebidas e como são sentidas longe de Washington. Isso é vida real. É cobrir os efeitos das medidas do governo sobre a economia, a gripe suína, seja o que for, mas longe do governo e perto da sociedade. A multidão em Washington decorre do fato de que as pessoas adoram o poder e ficaram preguiçosas. Jornalista ama o poder, ama lidar com o poder."

"Com as novas tecnologias, e sobretudo com a criação da internet, o público hoje é informado de modo mais estreito, mais direcionado. Na internet, os jovens se informam de modo muito objetivo, no mau sentido. Eles têm uma pergunta na cabeça, vão ao Google, pedem a resposta, e pronto. Estão informados sobre o que queriam, mas é um modo linear de pensar e ser informado, que não dá chance ao acaso. Quem está interessado em saber sobre o presidente do Paquistão vai à internet, fica sabendo que ele andou visitando Washington, quem é o seu principal oponente, essas coisas. Quem lê um jornal impresso lê sobre tudo isso e depois, ao virar a página, lê sobre a mulher do Silvio Berlusconi, depois sobre as chinesas que perderam seus filhos naquele terremoto, depois sobre o desastre do Air France que saiu do Rio para Paris. Enfim, lê histórias que não procurou e, por isso, acaba adquirindo um sentido mais amplo do mundo. Claro que você também pode fazer isso na internet, mas o apelo da internet é o oposto. É oferecer informação rápida. A internet é o fast-food da informação. É feita para quem quer atalho, poupar tempo, conclusões rápidas, prontas e empacotadas. Quem se informa pela internet, de modo assim estreito e limitado, pode ser muito bem-sucedido, ganhar muito dinheiro, mas não terá uma visão ampla do mundo. Para piorar, surgiram esses blogs com blogueiros desqualificados, que apenas divulgam fofoca. São como uma torcida num jogo de futebol que fica o tempo todo gritando para os jogadores, para o juiz. É gente que não apura nada, só faz barulho."

"O politicamente correto é um veneno para o jornalismo. Em 2006, aconteceu um caso exemplar. Na Carolina do Norte, uma mulher foi contratada para dançar numa festa dos jogadores do time de lacrosse da Universidade Duke e disse que bebeu demais e acabou estuprada por três jogadores. O caso ganhou as primeiras páginas. Os jornais nunca publicaram o nome da moça, e divulgaram fartamente o nome dos rapazes acusados do estupro. Ela era negra. Eles eram brancos. No fim, descobriu-se que ela era uma mentirosa. Os jornais, o Times inclusive, protegeram a mentirosa e expuseram os inocentes. Por que o Times fez isso? Porque queria ser sensível à situação de uma afro-americana. Jayson Blair, que publicou várias mentiras como repórter do Times, é outro exemplo. Ele foi contratado porque o jornal queria ter mais representantes das minorias, e Blair era negro. Foi contratado por Gerald Boyd, o primeiro negro a chefiar a redação do Times. Acima dele estava apenas o diretor de redação, Howell Raines, um branco do sul. Boyd e Raines queriam ser politicamente corretos e contrataram Blair porque era negro. E, porque era negro, faziam vistas grossas para os seus erros, deixavam passar, até que a coisa estourou. Só foram tolerantes com os erros de Blair porque queriam ser politicamente corretos. No jornalismo, isso não funciona. O jornalismo tem de ser vigilante, justo, realista, disciplinado, e não se preocupar em ser ou parecer politicamente correto."

"A crise dos jornais americanos não é uma crise do jornalismo americano. Moro em Nova York há cinquenta anos. Já vi muitos jornais fecharem as portas. Nos anos 60, acabou o The New York Herald Tribune, que era um grande jornal, mas grande mesmo. Antes, fechou o tabloide New York Daily Mirror. Eu cresci lendo revistas como Life, Saturday Evening Post, Look, e nenhuma delas existe mais. Em Nova York havia quinze jornais. Quando cheguei aqui, em 1959, eram sete. As pessoas esquecem que os jornais vão e vêm. O jornalismo, não. As pessoas vão sempre precisar de notícia e informação. Sem informação não se administra um negócio, não se vende ingresso para o teatro, não se divulga uma política externa. Todos os dias, nos jornais das cidades grandes ou pequenas, repórteres vão à rua para fazer o que não é feito por mais ninguém. De todas as profissões, se um jovem estiver interessado em honestidade e não estiver interessado em ganhar muito dinheiro, eu aconselharia o jornalismo, que lida com a verdade e tenta disseminar a verdade. Há mentirosos em todas as profissões, inclusive no jornalismo, mas nós não os protegemos. Os militares acobertam mentirosos. Os políticos, os partidos, o governo, todos fazem isso. O escândalo do Watergate é uma crônica de acobertamento. Os jornalistas não agem assim, não toleram o mentiroso entre eles. Acho uma profissão honrosa, honesta. Tenho orgulho de ser jornalista."



 


é isso aí, bicho

 

7.6.09


[4:56 AM]



MASCULIN FÉMININ: 15 faits précis
1966 Jean-Luc Godard



 


é isso aí, bicho

 

 


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