qualquer coisa
num verso intitulado mal secreto
 

21.3.09


[2:07 PM]




Certamente o número de textos quilométricos que vão pipocar por aí descrevendo e remontando graficamente as primeiras apresentações do Radiohead no Brasil será difícil de medir. Cada um maior que o outro, com palavras bonitas e uma dose de subjetividade que não raro vai apelar para predicados dos mais chinfrins e batidos, já avisto epítetos do tipo "o grande show do ano" ou "o show da década" pintando por aí. Classificações fáceis me entediam. O remédio contra isso atende pelo nome de síntese, e, já que estamos aqui, não tenho por que mentir: foi realmente de arrepiar. Não me lembro de uma apresentação que conciliasse de maneira tão harmoniosa um aparato visual formado por luminosas e explosivas estalactites de vidro com a intensidade sonora do Radiohead, uma simbiose tão potente que até agora mal consegui processar o que vi. Se essa é a trilha sonora de um mundo paranóico e cada vez mais refém de uma tecnologia opressiva, o show de ontem serviu para mostrar que não estamos definitivamente perdidos: a poesia resiste em meio ao caos.



 


é isso aí, bicho

 

18.3.09


[2:32 PM]

“Eu sei que você não agüenta mais me ouvir, Melanctha, mas veja, comigo é assim. Sempre. Você se lembra do que eu lhe disse, quando ainda não nos conhecíamos tanto, de como eu conhecia apenas dois tipos de amor, um familiar e o outro animal, e de como eu não gostava desse último? Sabe, Melanctha, comigo é assim. Aprendi um sentimento novo com você, que é como uma nova religião, e vejo que o amor deve ser desse jeito: dividir tudo com alguém, descobrir novas sensações, coisas que antes eu julgava más, como que para formar um só sentimento. É assim que você me faz ver o mundo; eu não sabia que todos os tipos de sentimento se juntavam para formar um só amor de verdade. Às vezes sinto isso do jeito que você me ensinou, e nesses momentos amo você, Melanctha, com se tivesse encontrado uma nova religião, mas depois percebo que não sei nada sobre você, minha querida, e percebo de repente que eu talvez esteja errado de pensar desse jeito tão amável, descartando minhas velhas idéias sobre o tipo de vida correto para nós, as pessoas de cor, e então penso, Melanctha, que você é uma pessoa má, e penso que estou agindo assim por estar ansioso para experimentar todas as excitações, como não fazia antes, e nesses momentos não posso evitar de ficar bravo com você, pois se pretendo agir corretamente, tenho que fazer as coisas direito. Eu queria agir de forma correta, é a única forma que conheço, e não vejo meio de saber o que é melhor: se o meu pensamento antigo ou o novo jeito de ser, que você faz parecer tão religioso. Não sei qual é a forma certa de pensar, e por isso fico tão triste de lhe causar tantos problemas e machucar você dessa forma. Será que você não poderia me ajudar, Melanctha, a fazer o que é certo, de modo que eu saiba exatamente como devo agir? Nunca quis ser covarde – se ao menos soubesse com certeza qual é a forma correta de agir. Será que você não poderia me ajudar a encontrar o que é verdadeiro, Melanctha querida? Sempre quis saber como agir.”


Três Vidas, Gertrude Stein



 


é isso aí, bicho

 



[2:27 PM]

Um dilema envolve minha relação com Watchmen: não li o quadrinho e em função disso ainda não vi o filme. Tenho um medo pertinente de me desinteressar pelo trabalho escrito de Alan Moore após assistir a adaptação de Zack Snyder, sujeito que mal conheço. Passei longe de 300 e adoro a seqüência inicial de Madrugada dos Mortos, mas, como todo mortal de bom senso, vejo essas transposições de linguagem com muita desconfiança. A Panini atrasou a entrega da edição de luxo da graphic novel lá na livraria, o que tem deixado muita gente puta e também frustrado alguns clientes apressadinhos. Meu nome está na lista de espera, mas como esse é um caso típico de filme para se ver no cinema, imerso na escuridão e numa atmosfera de isolamento, não sei se vou esperar a boa vontade da editora para dar um alô a Alan Moore. De qualquer forma, espero que a primeira impressão, excepcionalmente dessa vez, não fique.



 


é isso aí, bicho

 

10.3.09


[2:14 AM]

"Something Big"
Burt Bacharach

Like a grain of sand
that wants to be
a rolling stone
I want to be the man
I'm not,
and have the things
I really haven't got,
and that's a lot.

There'll be joy
and there'll be laughter.
Something big is what I'm after now
Yes, it's what I'm after now.

After taking, take up giving,
something big is what I'm living for.
Yes, it's what I'm living for,
living for.

Why do I go on
And fill my life with little things
when there are big things
I must do,
and lots of dreams
that really should come true
before I'm through.

There'll be joy
and there'll be laughter.
Something big is what I'm after now
Yes, it's what I'm after now.
After taking, take up giving
something big is what I'm living for.
Yes, it's what I'm living for,
living for.



 


é isso aí, bicho

 

3.3.09


[1:43 AM]

De certa forma, a gênese da personagem anárquica e subversiva que o Kubrick criou para seu Alex DeLarge pode ser encontrada no protagonista de If...., filme do Lindsay Anderson que está para ser lançado em DVD por aqui, com o mesmo Malcolm McDowell endiabrado encabeçando o elenco. Ao focar a insatisfação com que um certo grupo de estudantes lida com a repressão e a ausência de direitos em uma escola de métodos rígidos, Anderson traduz bem o espírito de libertação que varreu toda a juventude da década de 60, impulsionada pelo desejo de reformular valores e romper radicalmente com tradições estabelecidas e banhadas em caretice. O filme conta com umas duas ou três sequências belíssimas, sendo duas delas com uma carga simbólica que sintetiza bem esse desejo de liberdade: Malcolm e a menina duelam primitivamente num bar vazio, simulando felinos à mercê do coito, num preto-e-branco que logo em seguida é alternado para cores que explodem nos verdes campos ingleses, a fim de registrar um passeio de moto a três, com braços abertos e vento no rosto, perfeita válvula de escape em um mundo de chicotes e normas opressivas. Quem gosta de Sociedade dos Poetas Mortos deve passar longe – eu, como abomino tal engodo edificante, vibrei com a expressão de fúria que fecha o filme.

* * *

O maior pecado que Quando Éramos Reis comete é reduzir George Foreman a um mero coadjuvante de ringue com o propósito deliberado de exaltar excessivamente a figura de Cassius Clay. Até onde eu saiba, uma luta se faz a partir de duas partes, e mesmo que Ali tenha sido um atleta extraordinário, um frasista afiado da melhor estirpe assim como um cidadão de posições sócio-políticas notáveis, é uma grande sacanagem renegar o hoje senhor das churrasqueiras Foreman (que inclusive entrou em depressão profunda após ser nocauteado no oitavo assalto) à posição de mero figurante no duelo. A opção por esse tratamento arbitrário e maniqueísta, evidenciado a todo instante pelo trabalho de montagem, extrai do filme a força moral que ele supõe possuir ao focar o contexto no qual aconteceu a famosa luta, em 1974, na República africana do Zaire. Mesmo assim, é um documentário com qualidades que não ficam restritas às quatro cordas do ringue, indo além do combate para explorar a relação dos lutadores com a população africana, a postura adotada por ambos para lidar com a imprensa, as poderosas intervenções musicais dos Spinners, de B. B. King e James Brown, os bastidores do mar de sangue que cobriu o Zaire durante o governo do ditador Mobutu, o esforço do lendário promotor de lutas Don King e seu cabelo estiloso para levar Foreman e Ali de volta à Africa, assim como vários outros aspectos da cultura negra na metade dos anos 70. São também de imensa preciosidade os comentários literatos e apaixonados de Norman Mailer - que em 1975 publicou o livro A Luta, no qual relata toda a atmosfera e os acontecimentos que marcaram o duelo – e do também jornalista George Plimpton, ambos presentes no estádio durante o evento. É indispensável não só para quem curte boxe, mas também para quem acha que já não se fazem mais mundos como os de antigamente.

* * *

A sequência de abertura de O Beijo Amargo é realmente primorosa – pena que o resto do filme não esteja à altura, principalmente a condescendente virada final. Mesmo sendo um pouco previsível, torci até o último minuto para que o Fuller continuasse no papel de filho da puta e se mostrasse destituído da crença em misericórdia social que acaba selando o destino de sua anti-heroína. Lembrei do final de M, do Lang, cujo paralelo é pertinente mesmo que o desfecho dos personagens principais se diferencie. E a Constance Towers, fui só eu ou mais alguém achou que ela não só é a precursora como também bastante parecida com a nossa eterna musa loira de cabelos ondulados? "Ela nunca dá troco". Hail, Fuller!



 


é isso aí, bicho

 

 


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