qualquer coisa
num verso intitulado mal secreto
 

19.6.11


[2:37 PM]

Nova Poética

Vou lançar a teoria do poeta sórdido.
Poeta sórdido:
Aquele em cuja poesia há a marca suja da vida.
Vai um sujeito.
Sai um sujeito de casa com a roupa de brim branco muito bem engomada, e
na primeira esquina passa um caminhão, salpica-lhe
o paletó ou a calça de uma nódoa de lama:
É a vida.

O poema deve ser como a nódoa no brim:
Fazer o leitor satisfeito de si dar o desespero.
Sei que a poesia é também orvalho.
Mas este fica para as menininhas, as estrelas alfas, as virgens cem por cento e
as amadas que envelheceram sem maldade.



Manuel Bandeira, 19 de maio de 1949



 


é isso aí, bicho

 

6.6.11


[11:46 PM]

Belair foi uma produtora brasileira de cinema criada por Rogério Sganzerla e Julio Bressane que atuou durante 5 meses no ano de 1970. Dentro desse curto espaço de tempo, foram feitos sete filmes: 3 de Rogério, 3 de Bressane, e 1 curta dos dois (com co-direção de Helena Ignez, a fera oxigenada). A Belair nunca existiu no papel. Não há qualquer registro impresso que confirme suas atividades, nada que possa provar sua atuação enquanto instituição ou empresa.

Há somente os filmes.

40 anos depois, a história da produtora de guerrilha é recuperada em um documentário de primeira grandeza: Belair, dirigido por Noa Bressane e Bruno Safadi, faz o resgate emocional de um período em que o cinema brasileiro vivia uma erupção a 24 quadros por segundo.

Sganzerla e Bressane estavam no auge da criatividade, e o Rio de Janeiro foi o cenário inspirador para deflagrar a pólvora que incendiou suas miríades de ideias. Pela primeira vez, a favela era filmada em cinemascope, colorida, quente, explosiva. Era um cinema agressivo, de afronta, imoral na forma e coerente nas idéias. A radicalização de princípios custou caro para os dois: com a ditadura militar batendo na porta, foi preciso abrir mão do Brasil e pular fora rumo ao velho continente.

O documentário contextualiza o período através das falas dos protagonistas daquela aventura: Bressane, Sganzerla, Maria Gladys, Helena Ignez e Jorge Loredo remontam o universo caótico de criação cinematográfica com a emoção e as lembranças à flor da pele. O cinema brasileiro alcançava elevados níveis de qualidade estética e narrativa e ninguém estava nem aí. Só a censura pareceu se importar com a insolência dos filmes, e nenhum deles atingiu o sucesso popular dos dois anteriores de Sganzerla filmados em São Paulo, O Bandido da Luz Vermelha e A Mulher de Todos. Hoje, são cultuados e viraram objetos de estudo em faculdades de cinema espalhadas aos quatro cantos do Brasil.

O fato de a Belair nunca ter sido formalmente registrada funciona como uma peça-chave para a construção do documentário. Por mais que se use a voz e a palavra dos realizadores para desembaraçar a teia de referências, seus rostos quase não aparecem – são os filmes que impulsionam e imprimem uma carga de enorme potência ao documentário. Os filmes, os únicos capazes de mostrar que a produtora imaginária algum dia de fato existiu. As identidades permanecem na penumbra, em segundo plano, funcionando como um tripé de sustentação das ideias.

Intercalados com as falas e imagens de bastidores, são colocadas em cena várias sequências dos registros visuais da Belair: vemos Copacabana Mon Amour com a nitidez e o brilho de uma cópia nova, estalando de limpa, o Rio e o sol de famoso bairro num cinemascope maravilhoso; trechos de Barão Olavo, o Horrível, de Bressane, cujos pequenos momentos deixam entrever a obra-prima filmada durante o periélio; Cuidado Madame, com Maria Gladys como a empregada diabólica que assassina a patroa, num filme que nunca foi exibido em público; e até mesmo algumas poucas cenas de Carnaval na Lama, que Sganzerla rodou em Nova York, com Gal Costa e Jorge Mautner desbundados no elenco (que quase contou com Norman Mailer), parcialmente destruído e que hoje já não existe mais.

A escolha de conceder à memória e aos filmes da Belair o espaço que ela nunca teve no panorama nacional é o que faz deste documentário uma preciosidade rara em meio à caretice formal do nosso atual cinema. Belair, o filme, resgata a paixão com que dois jovens cineastas se entregaram à riqueza do subdesenvolvimento, às possibilidades de vida e de arte em um país coberto por uma silenciosa mortalha negra.

Ao homenagear de forma sincera e respeitosa uma sensibilidade que se espelhava na tensão entre os contrastes para retratar as dores e as delícias da realidade brasileira, Belair funciona como um suplemento de alta apuração estética feito para iluminar, com cores quentes e lisérgicas, uma nuvem de incompreensão e esquecimento que ainda hoje paira sobre nós.

*Publicado originalmente em 2009



 


é isso aí, bicho

 

5.6.11


[10:32 PM]

Palavras, calas, nada fiz
Estou tão infeliz
Falasses, desses, visses, não
Imensa solidão
Eu sou um rei que não tem fim
E brilhas dentro aqui
Guitarras, salas, vento, chão
Que dor no coração
Cidades, mares, povo, rio
Ninguém me tem amor
Cigarras, camas, colos, ninhos
Um pouco de calor
Eu sou um homem tão sozinho
Mas brilhas no que sou
E o meu caminho e o teu caminho
É um nem vais, nem vou
Meninos, ondas, becos, mãe
E, só porque não estás
És para mim e nada mais
Na boca das manhãs
Sou triste, quase um bicho triste
E brilhas mesmo assim
Eu canto, grito, corro, rio
E nunca chego a ti



 


é isso aí, bicho

 

 


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