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Nos últimos dias, o ingrediente que andou em falta na despensa aqui de casa, responsável direto por toda essa minha ausência irresponsável dos meios sociais, foi o tempo. Dois ou três sabem que depois de muitas sinapses incandescentes e mal resolvidas, em setembro último eu larguei a faculdade de Letras, mudei de cidade e resolvi tentar tudo de novo. Começar do zero. Voltar aos 17 anos de idade. Para isso, tome pré-vestibular, apostilas, livros e a carga habitual de culpa e medo por ter tomado tal atitude. As provas foram todas agora, em novembro, por isso me mantive distante do blog e de outras atividades costumeiras (as cervejas, os filmes, as leituras), em função da necessidade de regressar ao mundo acadêmico. O resultado sai só em janeiro, mas fiz uma prova decente e espero estar na luta com os melhores em busca da minha vaga. Que dê tudo certo, pelo bem da minha sanidade e do meu fígado.
As estréias desse mês nos cinemas trouxeram à tona tanta preguiça mineira que eu nem fiz questão de sacríficios para sair de casa: passo Ônibus 174 cover, passo James Bond, Orquestra dos Meninos, Guel Arraes e quiçá Woody Allen, se bobear. Minha briga é com a Playarte: cadê o James Gray, prometido para esse mês? A Lume também tinha prometido uma coleção de cinema marginal para dezembro e até agora nada. Essas distribuidoras são, antes de tudo, ótimas representações políticas. Ou também é culpa da crise? Pelo menos o CCBB trouxe ao Rio uma Mostra que já tinha feito a alegria de uma galera em São Paulo, sobre a Nouvelle Vague indiana, e que eu consegui assistir a umas poucas coisas devido aos estudos, logo no comecinho do mês. Poucas coisas que eu digo se resumem aos filmes que formam a trilogia de Apu, de Satyajit Ray, concebida entre 1955 e 59, e que, até por questões de cronologia e influência, está muito mais para Neo-Realismo italiano do que para Nouvelle Vague em si. O meu preferido é o segundo, O Invencível, que lida com o choque entre culturas e carrega a influência do tempo sobre o protagonista de uma maneira muito bonita, trabalhando um pouco com o conceito de dialética em favor de uma afirmação do cara sobre o mundo, sua mãe e sua cidade natal. É até óbvio ressaltar que minha empatia com o filme nasceu também pela identificação e pelo diálogo, instantâneo e direto, que travei com a obra.
Já dei o toque na Jana sobre as Casas Casadas e os filmes que por lá circulam, grátis e sem frete, e aproveito para registrar o que eu vi nesses últimos dias nas cabines: Babilônia 2000 é um Coutinho, e só isso bastava para começar o papo devido à intransitividade da frase. Produto de investigação nacional, é mais um episódio que se abre diante de camadas “invisíveis” da nossa sociedade atual (assim como já o fez com os nordestinos, os fiéis, os cariocas urbanos e, de certa forma, com as mulheres) através de uma concessão de direitos que joga para escanteio qualquer Bruno Barreto da vida na condição de “dar voz aos necessitados”. O único desagrado que o filme possui são algumas falhas técnicas visíveis, como problemas com zoom e seqüências desfocadas, mas nada que comprometa a experiência final. Que figura aquela mulher que canta Janis Joplin, hein? Tenho um pressentimento sagaz de que ainda hei de topar com ela em um ponto de ônibus qualquer daqui, e certamente o papo vai fluir.
A Laiz, colega lá do curso de Literatura, todo dia aparecia ouvindo a trilha de Durval Discos e sempre me perguntava o que eu achava do filme, ao que eu respondia que nunca tinha visto. Pois bem, achei um barato, ao contrário de muita gente que torce o nariz para a coragem de entrar na contramão que a Anna Muylaert mostra, passando por gêneros e sobrevivendo, mesmo que aos tropeços, aos arranhões que as fronteiras disparam contra sua história. Ali existem claramente dois projetos de filme unidos em um só, e embora a costura das idéias não aconteça de maneira natural, promovendo uma quebra de ritmo e transformando a atmosfera inicial, o fórceps não me pareceu prejudicar a concepção final, se pensarmos que o filme não mostra comprometimento nenhum com a realidade propriamente dita. E a Laiz estava certa, a trilha sonora é boa pra cacete. Além de Back in Bahia, a versão dos Mulheres Negras para Jonas e a Baleia deixou a música ainda melhor que a original. Ela, assim como a Jana me disse domingo, sempre lembra de mim na cena em que a Rita Lee entra na loja atrás do “Caetano de 69, aquele da capa branca que tem ‘Irene ri’”. Porque será?
Ainda assisti, depois de muita enrolação, Garotas do ABC. Discussões morais à parte, o filme possui uma visão tão positiva do cidadão do Brasil que só podia mesmo vir de um cara de dentro com a cabeça livre, maior que qualquer limite geográfico e com uma inteligência admirável. Não sei se o Oswald é alguma influência direta para o Carlão (porque indiretamente é até inocente da minha parte desconsiderar a relação entres eles), mas vi que o projeto de nação dos dois é bastante convergente neste filme em especial. As citações do Selton Mello são o maior barato, assim como as homenagens a O Bandido da Luz Vermelha (viram que o Ney Matogrosso foi confirmado como protagonista da continuação dirigida pela Helena Ignez? Massa, bicho!) e ao marginal André Luiz Oliveira.
E depois eu volto.
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