[11:42 AM]
da série "Os finais mais loucos que você pode ler num livro"
O estrangeiro (1942) Albert Camus "Sentia-me agora outra vez calmo. Estava estafado e deixei-me cair sobre a cama. Julgo que dormi, pois acordei com estrelas sobre o rosto. Subiam até mim ruídos campesinos. Aromas de noite, de terra e de sol refrescavam-me as têmporas. A paz maravilhosa deste verão adormecido entrava em mim como uma maré. Neste momento, e no limite da noite, soaram apitos. Anunciavam possivelmente partidas para um mundo que me era para sempre indiferente. Pela primeira vez, havia muito tempo, pensei na minha mãe. Julguei ter compreendido por que é que, no fim de uma vida, arranjara um "noivo", por que é que fingira recomeçar. Também lá, em redor desse asilo onde as vidas as apagavam, a noite era como uma treva melancólia. Tão perto da morte, a minha mãe deve ter-se sentido libertada e pronta a tudo reviver. Ninguém, ninguém tinha o direito de chorar por ela. Também eu me sinto pronto a tudo reviver. Como se esta grande cólera me tivesse limpo do mal, esvaziado da esperança, diante desta noite carregada de sinais e de estrelas, eu abria-me pela primeira vez à terna indiferença do mundo. Por o sentir tão parecido comigo, tão fraternal, senti que fôra feliz e que ainda o era. Para que tudo ficasse consumado, para que me sentisse menos só, faltava-me desejar que houvesse muito público no dia da minha execução e que os espectadores me recebessem com gritos de ódio." Leia também: O Primeiro Homem, do mesmo autor. Marcadores: albert camus
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