[9:29 PM]
JULHO
Medos Privados em Lugares Públicos (Coeurs, Alain Resnais /2006) Aos 88 anos de idade e já no apagar das luzes, Alain Resnais fez um dos mais brilhantes ensaios sobre a solidão que já assisti numa sala de cinema. Tal privilégio naturalmente aumenta e muito minha opinião sobre a obra, que, filmada em cinemascope, necessita de exibição numa tela de grandes extensões, onde o trabalho cenográfico seja dignamente reproduzido e as belíssimas sequências filmadas com a suavidade de um amor desiludido possam comensurar seus verdadeiros tons. A transposição dos núcleos dramáticos é realizada por meio de uma neve que cai incessantemente numa Paris gélida, sufocada por pessoas desencontradas com seus próprios anseios e sentimentos. Resnais compõe um brilhante mosaico dramático ao fundir diferentes estruturas emocionais, cada qual com seu devido valor, todas elas sucumbindo à tênue linha da solidão. Enfim, é um filme que não pede explicações ou escritas, a força de suas imagens dizem tudo o que precisa ser dito. O alerta de que as relações sociais não vão nada bem não podia ter sido melhor, e para nossa sorte, veio em forma de um sussurro aveludado que vai muito além do que se vê.
Je Vous Salue, Marie (idem, Jean-Luc Godard /1986)
Foi o primeiro Godard que eu realmente quase não aguentei até o fim, mesmo que tal anti-mérito tenha mais vínculos com as situações em que o assisti. É bonito, mas nada que não tenha sido experimentado anteriormente (e com êxito maior) pelo francês, estando o grande diferencial por conta da esperta sacação estética do cineasta e de seu inegável talento na construção de metáforas e passagens de uma beleza que poucas vezes se encontram de mãos dadas num único filme. O Estado das Coisas (The State of the Things, Wim Wenders /1982) O cinema em choque com seus próprios limites, a metalinguagem em estado bruto (o que são os 15 minutos iniciais, uma sacada genial sob figura de linguagem?), no tecido híbrido montado pelo cineasta alemão os paradigmas do cinema são todos postos em jogo, a construção da narrativa transfigura sensações, o ritmo intenso lembra a atmosfera de filmes B dos anos 40, provavelmente uma das mais deliciosas viagens que o cinema já produziu sob si próprio. Um exemplo mais que adequado de filme obrigatório pra se ver numa sala de cinema.
Pro Dia Nascer Feliz (João Jardim /2006) O que mais me impressiona no documentário de João Jardim é a exímia capacidade do diretor em construir sequências que ficam grudadas na nossa memória por dias. Até hoje, quase duas semanas após ter assistido, não consigo me desvencilhar de certas passagens que dialogam diretamente com meu passado e meu futuro. Por ter saído há pouco tempo do ensino médio, vejo uma proximidade muito grande entre o mundo daqueles jovens e o que eu ocupava, e agora, estudando nossa língua na faculdade e cada vez mais imerso no mundo dos quadros-negros, temo pelo que me espera dentro de poucos anos. É um filme que, de início, pretende construir um panorama da educação no Brasil, mas sendo este um tema de grande abrangência e ligado diretamente à relação da sociedade com a escola, Jardim em certos momentos mescla todas suas pretensões, o que gera uma descontinuidade narrativa e a falsa aparência de que ele atirou para todos os lados. O certo é que Pro Dia Nascer Feliz é o mais feliz filme-denúncia que assisto em muito tempo, um filme que coloca o dedo em feridas expostas na mais crítica das nossas mazelas, mas o faz de maneira tão delicada que não há como tirá-lo da cabeça facilmente. A câmera, aberta às falas de pessoas envolvidas diretamente com o sistema educacional, capta momentos de franqueza absoluta, como quando a professora diz fazer análise por não aguentar a pressão de dar aula numa escola pública. O tom não podia ser menos desanimador, mas fazendo jus ao título mais que adequado do longa, a esperança existe e cabe a nós trazê-la à tona. O depoimento das jovens paulistanas de classe média, ilhadas em suas vidas abastadas e impotentes em relação ao outro lado da história, é de uma sutileza inesperada e emocionante. Não satisfeito em compor um painel sobre a situação da escola na sociedade atual, João Jardim fez de seu filme sobre a juventude o documentário nacional obrigatório de 2007. Pode não cumprir com todos os objetivos propostos, mas precisa muito ser visto, comentado e recomendado, por todos e em qualquer lugar.
O Cheiro do Ralo (Heitor Dhalia /2006) O grande trunfo do filme é a potencialização que dá ao talento de Selton Mello na composição de sua esquisita personagem principal. O filme em si, demasiadamente irregular, serve para mostrar que o mercado audiovisual começa a gerar os primeiros expoentes do cinema que apontará os caminhos futuros da indústria. Heitor Dhalia se junta a Karim Aïnouz, Jorge Furtado, Beto Brant e Cao Hamburger (para ficar entre os que se destacaram ultimamente) para montar o time do novo cinema pop brasileiro. Por enquanto, o que sobra é uma atuação inspirada e - essa sim, a grande estrela do filme – uma senhora de uma bela bunda.
Eleição – O Submundo do Poder (Election, Johnnie To /2005)
Termina com uma sequência fabulosa, a violência no meio do conflito entre homem e macaco, uma metáfora que fecha com chave de ouro o filme psicológico de gângster de Johnnie To. Não há armas de fogo, não há sangue jorrando por todos os lados, não há membros mutilados e mesmo assim a sensação iminente de violência é angustiante. Embora bastante confuso em sua trama cheia de personagens (um grave problema, a cada filme oriental fica constatada minha inaptidão na identificação de rostos com olhos puxados) e com sequências de luz fraca, que dificultam ainda mais na compreensão da narrativa, o filme se destaca dos demais justamente por não seguir à risca a cartilha mofada e velha dos produtos embalados e prontos pra consumo de John Woo, aquele que se diz mestre da ação. Marcadores: alain resnais, heitor dhalia, jean luc godard, joão jardim, johnnie to, wim wenders
|