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Sobre 2014 ou o ano em que meu país sairá de férias.
Depois de 64 anos o Brasil voltará a sediar uma Copa do Mundo. A notícia gerou reações dúbias por parte da imprensa especializada e nos noticiários em geral, muitos a receberam com um misto de desconfiança e alegria, mesmo sabendo que será difícil comparecer aos estádios devido ao alarmante preço dos ingressos. Porque, como todo mundo sabe, Copa do Mundo é evento feito para turista, para os americanos que ainda passeiam por Havana, para os alemães que voltam rosados para casa após férias em praias européias, para os japoneses executivos e todos os outros com extratos bancários gordos provenientes da Suíça. O Brasil também será beneficiado, dólares circularão como água nas mãos de camelôs, milhares de empregos formais e informais serão gerados, a indústria tecelã lucrará horrores com camisas de Robinho e Alexandre Pato (que certamente serão dois dos melhores jogadores do mundo em 2014), e isso sem contar no setor do turismo, nos hotéis, no comércio, nas cervejarias, nas empresas de transportes interestaduais, enfim, a Copa vem para corroborar o aquecimento de uma economia em plena ascensão. Mas qual será o preço de todo esse show?
Ricardo Teixeira, o homem da cartola preta por trás de tudo, disse que, após o sucesso do Pan 2007, o Brasil está mais do que preparado para arcar com a realização de uma Copa do Mundo. Aliás, completou o homem, nada mais justo para um país cinco vezes campeão mundial e berço dos melhores jogadores do futebol atual e do maior atleta do século XX. Pura conversa fiada. É de conhecimento geral que os Jogos Panamericanos foram um atentado contra os cofres públicos, com desvios de verba por todos os lados numa teia de corrupção que corroeu a bandeira nacional. Porque até hoje ninguém se propôs a esclarecer a respeito do escândalo orçamentário do Pan, com um planejamento inicialmente previsto em torno de R$800 milhões e sucessivamente estourado até alcançar o patamar de inacreditáveis R$3,6 bilhões? Como explicar as obras inconclusas que impediram a realização de jogos de basquete e esgrima, se tudo estava devidamente calculado e dentro dos planos? E onde foi investida toda essa grana, sendo que os principais estádios brasileiros continuam com as mesmas deformações estruturais e com graves problemas de segurança? Durante entrevista coletiva realizada após o anúncio da vitória do Brasil, Teixeira se irritou com uma jornalista canadense que o indagou em relação à violência que acomete as prováveis cidades-sede dos jogos. A resposta, de tom anti-ético e indelicado, veio em forma de arame farpado: "Não tivemos nenhum problema no Pan, graças ao policiamento intenso. Agora, problemas como nos Estados Unidos, onde matam adolescentes em escolas, pelo menos isso não tem no Brasil." Mas é claro que não tivemos problemas de segurança no Pan, já que a única solução plausível para deter a força criminal da capital carioca foi colocar o exército e as tropas de choque na rua. Na Copa, não duvido nada que eles escalem o Capitão Nascimento e seus asseclas para manterem a ordem e a integridade dos turistas. E qualquer imprevisto que vá para a conta do Blatter.
Eu espero que as futuras gestões governamentais se imponham sobre os interesses burocráticos do líder da CBF, que não esconde através de sua caraça mal-humorada o espectro de um lobo muito bem relacionado e com interesses assaz perversos. Porque se o dinheiro público tiver que ser aplicado na elaboração desse projeto, que cada vez mais assume um ar de neo-JK - 50 anos em 7 -, e ele certamente será, que haja uma fiscalização rígida e que o espaço para impunidades fiscais seja completamente esvaziado. A Copa do Mundo é o evento esportivo de maior dimensão no planeta, todos os países envolvidos (e até os que ficam de fora) se mobilizam e voltam suas atenções para os pés de seus respectivos representantes, além da imensa projeção nacional que traz para o país que a sedia. Tudo o que nós precisamos é de, ao menos uma vez na vida, responsabilidade e profissionalismo para sermos vistos lá fora como queremos ser, como uma nação forte, equilibrada, socialmente responsável e condizente com seus problemas.
Caso contrário, será hora de prepararmos os ovos e os tomates e nos curvarmos novamente diante da nossa inexorável incapacidade, escutando mais uma vez os ecos das sábias palavras de Augusto de Campos.
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