qualquer coisa
num verso intitulado mal secreto
 

16.10.07


[11:16 PM]

Tropa de Elite (José Padilha, 2007)

O que dizer sobre Tropa de Elite que já não tenha encontrado eco em qualquer faculdade, mesa de bar, escritório, banheiro, fila de banco ou qualquer ambiente que suporte mais de duas pessoas? Devidamente trajado com o fardo de maior fenômeno do cinema brasileiro dos últimos tempos, o filme de José Padilha desencadeou uma série de discussões que passeiam por vários aspectos distintos, dos referenciais cinematográficos da obra - como o uso da narração em off do personagem de Wagner Moura - até os desdobramentos sociais que o filme propõe e suas respectivas causas e efeitos. Eu ainda não sei se gostei ou não do que vi a ponto de defendê-lo com uma argumentação consistente, esperei tanto tempo para assisti-lo numa sala de cinema que um aglomerado de informações se acumulou desde o vazamento até a estréia, e agora percebo que careço de uma revisão para um melhor esclarecimento das questões embutidas no discurso de Padilha.

O filme incomodou o Brasil inteiro e ninguém saiu indiferente da sala de cinema (ou da sala de casa, já que a pirataria proporcionou a projeção adiantada no aconchego de mais de 1,2 milhão de lares). Incomodou a polícia, que é tratada como corrupta e despreparada; incomodou a burguesia, que é abordada como a causa efetiva de toda a questão que envolve o tráfico; incomodou os jovens da PUC, que são vistos como a extensão desse mal, já que inúmeras crianças morrem diariamente para que um estudante acenda um baseado; incomodou os assistentes sociais, que atribuem um olhar demasiadamente humano a seres despidos desse polimento, que são os traficantes; e incomodou os policiais do BOPE, que são caracterizados por métodos primitivos de atuação e de comportamento. E, ao final, fica a pergunta: de que adiantou incomodar tanta gente para resumirem o filme como fascista ou como um mero “comercial do BOPE”, quando ele não corresponde a nenhuma das duas classificações?

Embora toda a construção narrativa, apoiada no off excessivo do personagem de Wagner Moura, contribua para uma parcialidade avaliativa da situação atual do país, não procede a afirmação de que o ponto de vista do filme seja o de um oficial torturador e desumano como o Capitão Nascimento. A teia esquematizada por Padilha é híbrida e talvez por isso tenha sido incômoda a tantos núcleos: há espaço para reflexões acerca de diversos patamares da realidade brasileira, as ONG’s, os estudantes, a burguesia, os traficantes, a polícia e o papel que cada um tem adotado para lidar com a situação do tráfico. Por isso não vejo validade num discurso que acuse o filme de um "comercial do BOPE", e basta atentar para as conseqüências da instituição sobre o personagem principal para desbancar tal teoria: as crises de pânico, a instabilidade do casamento, o choro em casa e a necessidade imediata de se ver fora daquele mundo (várias cenas do cotidiano caseiro de Nascimento justificam essas conseqüências, a paralisia durante o rapel e a explosão de raiva com a mulher são as mais emblemáticas).

E não deixa de ser admirável um filme brasileiro de ficção que não tenha a atitude provinciana de construir vítimas, e com culhões suficientes para apontar o dedo na cara dos vilões. E no contexto no qual a ação transcorre todo mundo é vilão, e o que impede essa cortina de ser aberta a olhos nus é simplesmente a hipocrisia com a qual as pessoas enxergam a questão das drogas. Em duas seqüências, o traficante passa 4kg de maconha a um estudante para ser vendido na faculdade, mas ninguém se pergunta quem coloca aquela droga no alto do morro. Quem faz com que carregamentos pesados atravessem as estradas brasileiras para serem consumidos no Centro-Sul? Quem paga as toneladas de drogas que ultrapassam nossas fronteiras estrangeiras e são refinadas e distribuídas em cidades do litoral? Com a conivência de quem nós vivemos sob o cerco iminente de um ataque generalizado com conseqüências drásticas? E é sob essa esquematização que Padilha engendra seu ponto de vista, sem julgamentos morais ou éticos, e retrata o dia-a-dia de homens diluídos em meio a um sistema cujos princípios são determinados por meio de hierarquias cifradas, sem espaço para movimentações humanitárias.

Mas, acima das questões sociais que partem da trama, Tropa de Elite é – e principalmente com esses olhos precisa ser devidamente encarado - um filme policial de primeira qualidade. A câmera inquieta e frenética armada à mão, a montagem dinâmica de Daniel Rezende, os flashbacks explicativos e o final em aberto corroboram a posição de “filme de gênero” tão carente no cinema feito no Brasil. Minhas reveses cabem apenas ao roteiro, que, numa ânsia de abarcar várias discussões e construir outros pontos de vista à margem do Capitão Nascimento, perde o foco durante o segundo ato do desenvolvimento narrativo, reencontrando-o já próximo da impactante conclusão. E se a pirataria ajudou ou não na consolidação da obra pouco importa, o que mantém o filme de José Padilha teso no arco da conversa é sua inegável qualidade e a coragem de se auto-assumir como retrato cru de uma sociedade onde ninguém presta. E onde as coisas só tendem a piorar.




 


é isso aí, bicho

 

 


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