qualquer coisa
num verso intitulado mal secreto
 

30.11.07


[1:24 AM]



Vinte invernos que passaram mais rápido que qualquer chuva de verão.

Os planos continuam os mesmos: escolher um curso com maiores perspectivas, arrumar um emprego que sustente a cultura (e a civilização) e encontrar aquela a quem eu procuro há tanto tempo.

Depois, largar tudo e comprar uma passagem só de ida para Praga, na República Tcheca.

Kafkanear o que há de bom.




 


é isso aí, bicho

 

15.11.07


[2:02 AM]


BRAVO!: Você é um documentarista reconhecido que sempre zelou pela discrição. No entanto, em Santiago, resolveu se expor publicamente. Por quê? É uma auto-sabotagem?

João Moreira Salles: Não, talvez seja exatamente o contrário - uma tentativa de me salvar, de me curar. Fiz Santiago pensando sobretudo em sanar as aflições que me rondavam a alma e que, de certo modo, ainda me atormentam. Trata-se de um filme essencialmente terapêutico. Quando decidi rever o material que rodei em 1992, tinha 43 anos e atravessava uma intensa crise. Estava adquirindo a consciência muito profunda de que as coisas realmente passam e de que não conseguimos recuperá-las. Para mim, que não acredito em nada, que não alimento nenhuma fé metafísica, a morte e a passagem do tempo são problemas imensos, obssessões que sempre me acompanharam. A diferença é que, com 30 anos, possuía apenas uma compreensão abstrata, intelectual do assunto. Agora, a compreensão se tornou concreta. Compreendo com as tripas. Intuitivamente, julguei que retomar o documentário inacabado me ajudaria a organizar o caos em que imergira. Há quem, no meio de uma tempestade existencial, resolva usar drogas, viajar a Lourdes e clamar por um milagre, conhecer o Dalai Lama ou praticar esporte. Eu resolvi fazer um filme.


E que filme.



 


é isso aí, bicho

 

9.11.07


[3:58 PM]


O processo de montagem de um filme requer uma linha de pensamento devidamente sincronizada entre a mente do diretor e a de seu editor. As idéias precisam fluir de maneira convergente, possibilitando uma interação recíproca entre a configuração das imagens seqüenciadas no imaginário do diretor e sua real execução em celulóide através das mãos do editor. O papel do montador é de extrema importância na construção do filme, já que cabe a ele escolher as peças certas e encaixa-las em suas devidas posições para que o quebra-cabeça faça sentido. São eles que cadenciam a narrativa, monitoram as durações das seqüências, constituem coerência à história por meio de inserções coesivas além de garantirem a lapidação do material bruto que recebem em suas mesas. É um trabalho exaustivo, que em alguns casos chega a durar meses, para desespero dos estúdios. Uma das montadoras mais bem sucedidas do cinema recente é Thelma Schoonmaker, uma mocinha de 67 anos e habitual colaboradora de Martin Scorsese, tendo montado rigorosamente todos seus filmes desde Touro Indomável, em 1980.

O terceiro trabalho da dupla é o pouco visto Depois de Horas, marcado por uma narrativa dinâmica e envolvente com alguns toques surrealistas. O filme é uma espécie de Alice no País das Maravilhas às avessas, onde toda a trama se passa nos subúrbios de Nova York numa noite onde vários acontecimentos inesperados evidenciam o caráter atípico de uma produção capitaneada por Scorsese. Porém, estão lá vários dos elementos presentes em toda a filmografia do diretor, como o painel da multicultural cena novaiorquina e seus diversos tipos, de garçonetes frustradas e punks ensandecidos; a visão sobre o homem preso num submundo ao qual tenta se impor, quase sempre sem sucesso; as referências à cultura moderna, neste caso representadas por citações a Henry Miller e desenhos de Dylan, Bowie e Beatles; e a trilha sonora, calcada no rock e sempre escolhida a dedo pelo próprio diretor.

Embora o tom adotado seja o do absurdo presente no cotidiano do homem comum, algumas situações assumem um tom forçosamente deliberado, incitando assim um novo olhar por parte do espectador, que, para entrar no ritmo da proposta de Scorsese, vê a necessidade de encarar toda a aventura presenciada na tela com olhos de fantasia - talvez até mesmo como se fosse uma fábula urbana. Afinal, a realidade é por si só o cisco que cai diariamente em nossas retinas tão fatigadas e um filme como esse, mesmo sendo menor e mais despretensioso, surge como um renovador de forças pra lá de inspirado.

E retrocedendo 11 anos na carreira do velho Scorsa, Alice Não Mora Mais Aqui é geralmente esquecido na prateleira ante todas as obras-primas que o sucederam. Mas nem por isso merece ser desvalorizado: trata de uma simpática história sobre uma dona-de-casa que perde o marido e põe o pé na estrada com o filho pequeno a fim de levar a vida adiante. Filmado de maneira convencional, sem grandes arroubos estéticos ou travellings arrojados (aliás, uma das características mais marcantes do filme citado acima), Alice... foi inicialmente um projeto da atriz Ellen Burstyn, recentemente saída do sucesso de O Exorcista e com carta branca para escolher o cineasta que a dirigiria neste filme. O nome de Scorsese apareceu em cena, e embora este também seja um projeto fora de seus moldes padrões, que em sua maioria envolvem o universo masculino, gângsters, sangue e virilidade, o resultado foi uma bem-sucedida investida no território das mulheres que lhe garantiu o aval para realizar um de seus filmes mais marcantes, dois anos após.

Pensar em Scorsese dirigindo um filme sobre uma mulher é como avaliar uma hipotética investida sobre máfia comandada por Pedro Almodóvar. Inusitado, não? Mas o ítalo-americano deu conta do recado e mesmo sem grandes exigências do roteiro e com um desfecho calculadamente previsível, conseguiu colocar Harvey Keitel quebrando todo um quarto num acesso de fúria e o onipresente rock’n’roll em várias cenas. Agora, é sério que aquele menino é a Jodie Foster?! A Jodie Foster? Ela mesma? Sei não...

Para terminar a mini-retrospectiva do cinema de Martin Scorsese que fiz essa semana, assisti finalmente um de seus melhores trabalhos – este sim, uma verdadeira obra-prima -, o pouco sangrento Caminhos Perigosos. Porque todos sabemos que viajar o mundo inteiro é uma maravilha, é ótimo conhecer lugares, desbravar novos ambientes, interagir com novas pessoas, tudo isso só faz somar ao que temos de melhor em nosso íntimo além de nos garantir um retorno com um outro nível de conhecimento e com diferentes idéias na cabeça. Só que nenhum lugar supera o momento em que colocamos os pés de volta dentro de casa. E a casa de Scorsese é a rua, com todos seus becos imundos, seus anti-heróis problemáticos, sua familiar opressão e todos os acontecimentos que cabem à lua iluminar.


Filmado em 1973, Caminhos Perigosos foi o primeiro filme do diretor visto com bons olhos pela crítica, que avaliou Scorsese como um realizador promissor e com técnicas inovadoras de filmagem. O ambiente soturno do submundo de Nova York é deflagrado através de um grupo de mafiosos que atuam na área, realizando golpes e outros serviços com o objetivo de impor a hegemonia sobre outrem. É um filme marcado pelas disputas, sejam elas exteriores ao ser (por território, por círculo social ou por prestígio) ou internas, no que dizem respeito aos conflitos íntimos do protagonista vivido por Harvey Keitel. Os dilemas morais-cristãos estão sempre em choque com a brutalidade exposta nos atos praticados e vividos por ele. Há uma preocupação em solidificar essa proposta dúbia e levá-la ao extremo, permitindo que o conflito se extenue até se tornar insuportável a ponto de ocorrer a inevitabilidade de uma escolha. E o desfecho explosivo sucede o momento em que essa escolha é feita, onde vemos que o lado humano subjuga quaisquer efeitos políticos e o homem renega seus interesses em nome dos sentimentos amistosos e passionais para com os que o cercam.

A pouca luz com que a cidade é fotografada estabelece um paralelo com a névoa sob a qual vivem os personagens, todos perdidos em meio a um mundo caótico e de futuro indeterminado. Scorsese utiliza todos os meios disponíveis para dar um caráter altamente pessoal a seu filme, já que a opção por tratar deste tema foi uma sugestão de John Cassavetes, que, após ter visto o filme anterior do cara, disse sem rodeios: “É um lixo. Faça algo que venha de você, que seja seu.” E ele então chamou Robert De Niro (numa atuação caracterizada por alguns tiques afetados mas nem por isso menos que sensacional) e Keitel para protagonizarem e Eric Clapton para fazer a trilha sonora. As peças estão em total sintonia, a montagem garante que o filme se desenvolva em seus tempos certos, com cortes rápidos e certeiros nas cenas de ação e liberdade de observação quando o drama entra em cena. Mesmo não tendo passado pelas mãos de Schoonmaker, a edição é um dos grandes méritos de Caminhos Perigosos. E nós sabemos que quando se ouve Jumpin’ Jack Flash num bar com luzes vermelhas, sob o cerco iminente de uma violenta discussão travada por gângsters, estamos diante de uma das melhores obras que o cinema moderno já produziu.


Depois de Horas (After Hours, Martin Scorsese /1985)

Alice Não Mora Mais Aqui (Alice Doesn’t Live Here Anymore, Martin Scorsese /1974)

Caminhos Perigosos (Mean Streets, Martin Scorsese /1973)




 


é isso aí, bicho

 

1.11.07


[3:31 PM]

Poema da Gare de Astapovo

O velho Leon Tolstoi fugiu de casa aos oitenta anos
E foi morrer na gare de Astapovo!
Com certeza sentou-se a um velho banco,
Um desses velhos bancos lustrosos pelo uso
Que existem em todas as estaçõezinhas pobres do mundo
Contra uma parede nua...
Sentou-se ...e sorriu amargamente
Pensando que
Em toda a sua vida
Apenas restava de seu a Gloria,
Esse irrisório chocalho cheio de guizos e fitinhas
Coloridas
Nas mãos esclerosadas de um caduco!
E então a Morte,
Ao vê-lo tão sozinho aquela hora
Na estação deserta,
Julgou que ele estivesse ali à sua espera,
Quando apenas sentara para descansar um pouco!
A morte chegou na sua antiga locomotiva
(Ela sempre chega pontualmente na hora incerta...)
Mas talvez não pensou em nada disso, o grande Velho,
E quem sabe se até não morreu feliz: ele fugiu...
Ele fugiu de casa...
Ele fugiu de casa aos oitenta anos de idade...
Não são todos que realizam os velhos sonhos da infância!


Mário Quintana



 


é isso aí, bicho

 

 


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