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O conjunto de códigos que Tim Burton usa para caracterizar seus filmes de acordo com certas peculiaridades que lhe configuram um estilo bem próprio de filmar é facilmente identificado logo nos primeiros minutos de Sweeney Todd, o Barbeiro Demoníaco da Rua Fleet. O universo soturno, com ares góticos e sobrecarregado de tons frios está intrinsecamente ligado à formação característica dos personagens que ilustram suas histórias. Em seus filmes, muitas vezes o deslocamento e a solidão partem de um processo traumatizante posteriormente revertido em sentimentos hostis que não condizem com o verdadeiro âmago dos personagens, como o Willy Wonka da fantástica fábrica de você-sabe-o-quê. É uma perspectiva bastante pessimista avaliar o comportamento humano através dessa trágica conclusão, mas sempre rendeu a Burton (e não só a ele) a garantia de ótimas produções.
Se toda a atmosfera sombria é construída para dar uma base sustentável na inclusão de dois personagens com caracteres igualmente febris, tal distinção é parcialmente destituída de força quando Johnny Depp abre a boca pela primeira vez em cena e... canta! Mas isso não é encargo algum para quem interpretou o filho de Deus (e contracenou com o Ele!) na série Piratas do Caribe, cantar é só mais um jeito de mandar a tristeza embora. Lembro que considerei como um dos maiores acertos do cineasta na refilmagem do clássico dos chocolates, em 2005, justamente as cenas individuais protagonizadas pelos Oompa Loompas, por serem meras colagens musicais inseridas no meio da história e que em momento algum assumem a função de catalisador narrativo. Neste caso, Burton abriu mão de quase a totalidade dos diálogos que não fossem musicados para encenar uma história de amor com pesados toques de morbidez e sob as líricas de Stephen Sondheim. O resultado foi extremamente positivo. E não deixa de ser curiosa essa reinvenção a qual o cineasta se propõe a cada projeto, dentro das possíveis limitações de seu território habitual, sempre incorporando um gênero ao seu próprio modo de filmar – e não o contrário, já que seria impensável lidarmos com um corte de garganta tão profundo e literal numa disposição de idéias pertinentes a um filme como esse que não estivesse sob a direção de Tim Burton.
Enquanto nos entrega seu mais genuíno e belo filme de horror, o cineasta costura de maneira impecável a musicalidade de Sondheim, a densidade que os atores imprimem a seus personagens (Depp está mais sintético que nunca, sua atuação sustenta tão bem a fantasia que encena que todo o brilhantismo se concentra nos detalhes, todos eles mínimos) e um aparato técnico devidamente sincronizado com suas pretensões. A única ressalva se dá em relação ao desfecho, concluído com uma pressa que até então era ignorada pelos dois atos que o antecedem. A precipitação com que se encerra revisita também a angústia latente do amor impossível presente em outras obras do diretor, como em Edward Mãos-de-Tesoura, e talvez então encontre aí sua justificativa. De qualquer forma, é com provável certeza o que de melhor o homem produziu desde Ed Wood - e isso significa muito, já que a homenagem ao pior diretor de todos os tempos continua imbatível no posto de obra-prima absoluta.
Sweeney Todd, o Barbeiro Demoníaco da Rua Fleet (Sweeney Todd: The Demon Barber of Fleet St., Tim Burton /2007)
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