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Paradoxalmente, os créditos iniciais já dão uma idéia da grandeza que qualifica o filme de Ethan e Joel Coen. A tela preta condensa apenas o título original, em letras comuns, sem qualquer menção aos cineastas ou outro membro da equipe técnica responsável pela realização. A proposta dos irmãos em criar uma atmosfera densa antecede mesmo as primeiras imagens projetadas na tela. Antes de elaborar qualquer opinião concreta a respeito do filme dos Coen, preciso revê-lo para que seja devidamente digerido, pois ele não permite um desvinculamento tão claro e acessível por parte de um espectador mais atento. Mas uma coisa é certa: a maturidade narrativa calcada numa concisão que chega a impressionar é o grande trunfo de Onde os Fracos Não Têm Vez. Atenuado o estupor inicial que o filme causa, duas perguntas me vieram à mente quase instantaneamente: como transpor para a tela uma obra literária de relevância (o romance de Cormac McCarthy parece ter sido escrito para os irmãos, tamanha a identificação dos propósitos) partindo de uma fidelidade quase contratual com as linhas do autor? E mais: de que maneira se engendra um filme onde o silêncio possa reverberar tão intensamente quanto o mais decisivo dos diálogos?
Visconti foi corajoso ao adentrar o hermético universo de Thomas Mann e transpô-lo para a tela fundamentando a essência do escritor alemão sobretudo no campo sensitivo das imagens. É uma opção arriscada, mas talvez Morte em Veneza, o filme, encontre o maior de seus predicados justamente nessa escolha. E, amparados por uma trama que carrega em cada fotograma uma substancial quantidade de descrença e tensão, os irmãos construíram uma narrativa amarga que trata da violência a partir de uma desilusão coletiva - a personagem de Tommy Lee Jones representa bem o ocaso de uma nação. Já não há medidas para justificar as razões que movem todo o apocalipse no qual a trama se baseia. Se McCarthy escreve que “as pessoas desse país são difíceis de lidar”, o correspondente imagético delineado por Joel e Ethan corrobora essa teoria através de passagens silenciosas, frias, que dizem mais a respeito das personalidades que vemos na tela do que qualquer outra definição cabível.
Se a violência não faz sentido, qual o ideal motivador de quem a pratica? Seria uma característica congênita, inscrita no âmago do homem e do qual é impossível de se dissociar? Há, no filme, a lógica de que a principal explicação para os atos de barbárie cometidos pelo assassino de Javier Bardem se justifique através de uma sucessão de escolhas por parte da vítima. Para ele, não há pretexto, matar é uma opção que supostamente cabe ao destino configurar (a moeda exemplifica bem essa conjectura). Mas a ambigüidade presente no texto desmonta a possibilidade de uma formulação hipotética quando ele é confrontado a escolher pela morte de uma vítima. E a inconclusão da cena, seguida por um ato de extrema responsabilidade do acaso, mistura ainda mais a cabeça do espectador. Corajosa é também a opção de concluir a história com uma elipse que mais parece uma navalhada no pescoço, um desfecho ideal para um filme desconstrutivo sobre a decadência de um povo.
Reve-lo-ei, com o perdão da mesóclise, ainda essa semana, e quem sabe então possa me esclarecer melhor em relação às idéias colocadas em pauta. Mas, de antemão, uma frase é crucial para se avaliar o filme e toda a tônica adotada pelos irmãos, e ela parte do sábio histórico vocabular de Lee Jones: “A idade simplifica o homem”. Se a afirmativa realmente procede, só poderei confirmar dentro de muitos anos, mas que certamente ela se encaixa com perfeição na esplêndida síntese visual e argumentativa dos Coen, isso não há como negar.
Onde os Fracos Não Têm Vez (No Country for Old Men, Ethan & Joel Coen /2007)
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