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Talvez o paralelo mais evidente que possa ser estabelecido entre Gêmeos e Senhores do Crime esteja vinculado a uma visão dual que Cronenberg emprega sobre seus personagens e que se mostra presente também em outros momentos de sua filmografia. Se, no filme de 88, Jeremy Irons interpreta dois irmãos siameses com características complementares e o desejo incessante de se tornarem apenas um, em sua mais recente empreitada há uma preocupação em realçar a ambigüidade inerente à grande parte dos personagens em cena. No mundo de Cronenberg, ninguém é o que aparenta ser. E é justamente nessa luta entre as várias possibilidades de existência e sua real condição onde figuram os melhores momentos de ambos os filmes.
Gêmeos é um filme assustador, desde a concepção de sua idéia até a execução encenada na tela. A cada desdobramento a história se mostra mais perturbadora, à medida em que os irmãos percebem que por maiores que sejam suas pretensões individuais, há um elo que os une cujo alcance vai além do plano físico e evidencia a necessidade de um esforço muito maior do que a mera dissensão psicológica para que se concretize a dissociação anatômica. Os minutos finais, onde se efetiva a separação e toda a complementação que antes servia aos dois irmãos se concentra num único corpo, certamente são dos momentos mais densos já filmados por Cronenberg. Provavelmente encabeçaria o topo de uma hipotética lista minha de preferidos do homem, mas antes preciso ver alguns filmes dele da década de 1990 com os quais ainda não tive contato.
Quanto a Senhores do Crime, que vi há quase um mês num multiplex inusitadamente lotado, é um filme que avança ainda mais na questão psicológica que o diretor vem imprimindo em seu cinema nos últimos anos, cuja síntese máxima esteja no excepcional Marcas da Violência, este sem dúvida um filme maiúsculo, de grande poder. Ainda que o corpo humano, sua conflitante relação com a mente e as conseqüências desse embate estejam em voga durante boa parte da narrativa – e cabe às tatuagens e seus vários significados representarem esse contato -, é nas variações acerca das personalidades que se cruzam onde o cineasta mantém o foco de seus interesses. Deixando as vísceras e o fascínio por mutações e transmutações genéticas de lado, Cronenberg mergulha no mundo da máfia russa para tratar da política das relações de uma maneira classuda, econômica, sem deixar de recorrer em momento algum ao âmago de suas inquietações enquanto realizador cinematográfico. E, quanto à sua capacidade de encenação, prefiro que a seqüência da sauna fale por si só. É impressionante.
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