[4:52 AM]
5x1 (em homenagem ao placar do sofrível jogo que meu time fez, quarta passada, na Bolívia)
 - João Gilberto do Prado Pereira de Oliveira anunciou que fará quatro shows em solo brasileiro no segundo semestre desse ano, depois de um hiato de cinco anos. São oportunidades únicas para ver e ouvir de perto o homem que inventou a música brasileira moderna, já que ele raramente sai de casa, nem mesmo para comer. João, que é fã ardoroso de boxe e inclusive já atrasou vários shows no exterior só para ver o desfecho de certas lutas no ringue, homenageará o cinqüentenário da bossa nova, estilo que nega ter criado e cuja associação a seu nome e sua imagem já rendeu até processo judicial - vencido pelo cantor. E agora ele aparece novamente se ligando ao movimento, com shows no Carnegie Hall e em Tóquio já agendados para o segundo semestre desse ano. Vai entender a cabeça do velho... Só espero que João seja leitor de jornais e esteja a par da crítica situação financeira dos brasileiros que pretendem ocupar os assentos de seus shows em agosto - não gostaria de ter que penhorar meu irmão, mais uma vez, para ver o baiano cantar. Se vaia de bêbado não vale, que ao menos nós, tupiniquins pobres, possamos aplaudi-lo de pé.
- O grande filme do mês até agora vem da França. Jules Dassin morreu há umas semanas e como eu não havia tido nenhum contato com sua filmografia, fui direto ao ponto: Rififi, de 1955, é um ótimo noir e uma verdadeira aula de ritmo e montagem. A famosa seqüência de roubo - trinta minutos de olhares e movimentos corporais sincronizados, sem um diálogo sequer, uma espécie de balé entre ladrões - é para ser assistida milhares de vezes por qualquer cineasta que tencione filmes de roubo, de Soderbergh a Mamet. É interessante também a manipulação das expectativas em cima dos anti-heróis para os quais torcemos durante todo o filme (ao longo das situações sofremos com e por eles), até a imparcialidade de um final que se abstém de qualquer colocação ideológica, de um modo que faria bem a alguns Hitchcock's menores, numa comparação tosca que me veio à memória ao término do filme. Vejo que gostaria mais de Disque M Para Matar e Festim Diabólico se eles não terminassem com uma visão tão positiva de mundo e das ações das pessoas. Hitch era politicamente correto em relação à isso, creio eu. O desfecho do filme de Dassin é desiludido, amargo, perfeitamente coerente com a construção dos personagens da narrativa.
- Fiquei pensando durante dias sobre uma possibilidade de roteiro que se assemelhasse ao ato conclusivo de A Conversação, filmaço que o Coppola cometeu no ano mais inspirado de sua carreira. A partir da seqüência em que Gene Hackman chega ao hotel, a atmosfera de paranóia que vinha sendo construída ganha uma potência avassaladora e o filme cresce para além de seu alcance, e ainda destrói toda e qualquer hipótese de afirmação previamente suposta, numa virada inteligente e elaborada de maneira elegante pelo roteiro. A sobriedade com que o filme se desenvolve, fruto da experiência de seu realizador com a saga dos Corleone, arquiteta cada passo do investigador de um modo lacônico, fazendo com que o espectador absorva toda aquela atmosfera de inquietação sem nenhum plano em excesso, a economia na encenação chega a impressionar. E a mão ensangüentada no vidro me fez pensar em algo próprio que a reaproveitasse de alguma forma, porque aquela cena ser introduzida no filme, daquela maneira e naquela altura do campeonato, é até sacanagem com o restante do fôlego que eu ainda tinha.
- Jovens, Loucos & Rebeldes (Dazed and Confused) mostra que o cinema do Linklater é erguido sobre os pilares de uma informalidade que soa como reflexo puro do conceito de liberdade que cada filme seu explora de maneira diferente. É a comunhão perfeita entre forma e conteúdo, ao som de um rock’n’roll de qualidade. Exalando THC por cada buraquinho da televisão, o filme é habilidoso no modo em que constrói e explora os personagens e os insere no universo do último dia de aula, reproduzindo essa que talvez é a sensação mais nítida de libertação que acontece na vida dos jovens. Dinâmico e pra lá de emaconhado, flui de uma maneira bastante envolvente e termina otimista, olhando pra frente, rumando o desconhecido, the long and winding road... Jason London comanda um ótimo elenco em que Rory Cochrane e Sasha Jenson me soaram bem familiares, os caras parecem muito com dois amigos meus (e seus estilos de vida jah-jah-rasta-babylon-fire-jamaica-man).
- E, pra terminar, o piano de McCoy Tyner só não é a afirmação plena de que a divindade pode sim ser alcançada pelo homem porque o sax do John Coltrane em “My Favorite Things” é das coisas mais espetaculares que o ser humano já produziu em solo terrestre. Como se não bastasse toda a experimentação que marca o disco homônimo de 1961, há ainda uma releitura para uma canção dos irmãos Gershwin que mostra a habilidade de Coltrane na reinvenção de arranjos de terceiros e o afirma, para além de um compositor dos grandes, como um intérprete do primeiro time. É bom demais descobrir essas coisas às quatro da madrugada!
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