[12:19 AM]

O primeiro contato que eu tive com Copacabana Mon Amour (1970), do Rogério Sganzerla, foi há uns dois anos, através da trilha sonora composta por Gilberto Gil. Nem é preciso dizer que pirei no disco, uma viagem inspirada do músico com apenas dois violões, um bongô e uma flauta. É impressionante o poder sonoro que Gil - então no auge do tropicalismo - alcançou a partir desses poucos instrumentos. E de como houve uma sintonia entre essa força musical e as imagens captadas pela câmera de Rogério Sganzerla para registrar a babel que caracteriza um dos bairros mais famosos do Brasil, quiçá do mundo. Copacabana é o reduto onde a democracia se instaurou de maneira mais equiparada dentro dos limites de nosso território, atribuindo devido espaço para quem quer que seja: homens, mulheres, loucos, pretos, brancos, pobres, ricos, bichas, gringos, proletários, enfim, o tecido híbrido popular que todos conhecemos como Brasil. E não deixa de ser interessante o fato de que a coexistência desses tipos não implica um rebaixamento ou mesmo subordinação de outras classes. Uma simples caminhada pelas ruas do bairro pode se transformar numa aventura pra lá de estranha e, simultaneamente, serve como constatação da harmonia e igualdade que marcou e que resiste ainda hoje no imaginário carioca, apesar de todo o lado negro que habita essa força.
Sganzerla, recém-saído da Boca do Lixo paulista com dois filmaços no currículo, chegou ao Rio e descobriu a África brasileira ao pisar na favela. Quando subiu o morro com sua câmera, constatou o paradoxo que marcava a ferro e fogo a cultura nacional ao perceber o quão rica é a nossa pobreza material. E seu filme vem daí, da força que envolve essas personalidades e toda sua debilidade social, da vontade de atingir algo que nos é oferecido e cujo alcance é impedido por um complexo de subdesenvolvimento que impõe barreiras de caráter até mesmo intelectual. Dizem por aí que o brasileiro não pode pensar. Será? Cada seqüência de Copacabana Mon Amour faz questão de jogar na cara do espectador quem ele é, suas verdades, de onde ele vem e os rumos que o país (e, por conseqüência, nós mesmos) estava tomando há longínquos 38 anos. Marcado por um descompasso inquieto, o filme respira o ar carioca e revela-se, antes de qualquer outra coisa, um documento histórico de um bairro cuja genética embaralhada sempre esteve ali, pronta para ser fecundada. E ainda há Helena Ignez, de beleza maravilhosamente hipnótica, berrando que está cansada de tanta miséria, que seu futuro é a Rádio Nacional e que tem “nojo de pobre, NOJO DE POBRE!”.
Imagino como deve ser lindo ver esse filme no cinema. Desde que assisti, venho fantasiando a possibilidade de ver Helena e Lílian Lemmertz peladas, em cinemascope, na tela grande, os terreiros de macumba e a introdução da famosa Sonia Silk em cena, todas aquelas cores quentes saltando aos olhos, “o sol de Copacabana enlouquecendo certos brasileiros em pouquíssimos segundos, deixando-nos completamente tarados, atônitos e lelés”. Deixem o cara do Casseta & Planeta falar mal do Glauber à vontade, talvez ele nem saiba que o verdadeiro cinema brasileiro não veio da Bahia, e sim do morro, bem lá do alto do morro.
P.S.: Gil, hoje não tem sopa na varanda da Maria. E eu bem que tentei, mas Sem Essa, Aranha é grande demais pra caber aqui. Um dia, quem sabe...
Copacabana Mon Amour (Rogério Sganzerla, 1970)
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