[2:53 AM]
Não são muitos os filmes que despertam em mim o desejo de pular para trás das câmeras e com isso dar mais um largo passo em direção ao suicídio profissional. Gosto de cinema, é um dos assuntos sobre os quais mais gosto de conversar, vejo filmes e freqüento salas de cinema mais por necessidade física do que por qualquer outra síndrome maluca ou apenas gosto pessoal, mas não sei bem se tenho vocação (e muito menos culhões) para comandar um projeto autoral. Às vezes enquanto ouço uma música ou leio um diálogo num livro argentino ou até mesmo quando presencio um acontecimento cotidiano, fico horas imaginando o impacto que tal transposição alcançaria no cinema, mesmo que fosse só em mim. Caminhadas pela cidade são um perigo, no percurso de 20 minutos da porta de casa à faculdade viajo deliciosamente em diversas cenas desconexas que não fazem o mínimo sentido a não ser pela beleza estética que carregam consigo. Outras são exatamente o inverso, principalmente quando eu lembro da Gena Rowlands conversando com o psiquiatra e sendo evasiva no que diz respeito à sua vida sexual, ainda no início de Amantes. A expressão de desencantamento, a mão colocando desiludidamente os cabelos para trás, as rugas que contornam o olhar perdido na tradução e a fumaça do cigarro subindo num espiral disperso, tudo isso é também algo que já encontrei em algum lugar por aqui e que sempre me faz bem.
Os poucos filmes que me fariam adotar uma postura de loucura total em relação à vida neste exato momento estão longe de ser os melhores que já vi, mas eu morreria feliz se tivesse dirigido um segmento qualquer de um filme do Russ Meyer ou só a seqüência final de Zabriskie Point. Aliás, Antonioni é sacanagem porque é um cinema tão pessoal e embriagante que qualquer palavra me escapa, fica a reverência. Também porque tenho plena noção dos meus limites potenciais enquanto homem e, por mais que os faroestes do Leone descarreguem em mim uma carga de energia que por pouco não causam um curto-circuito no cérebro, sei que jamais teria capacidade para realizar nem que seja uma mímese cuspida e escarrada da mais insignificante das cenas de um filme qualquer do cara. Mas desde o dia em que eu fui na casa do Jarbas, lá no Vila Bretas, buscar uma cópia do filme da Sofia Coppola porque ele não iria estrear nos cinemas da cidade, há cinco anos, eu sempre soube que ali tinha alguma coisa que realmente fazia sentido. Jim Reid, porra, eu não precisava de Just Like Honey ali não, cara, você podia muito bem ter pegado sua música e ido embora pra casa, quieto e sem reclamar. O olho enche, não tem jeito, sei que outras pessoas conseguem facilmente, mas todas as vezes que ouço o Psychocandy não passo da primeira música e tenho mil motivos para isso. Por tudo que eu estava passando na época, pelas amizades em estágio minguante e pelos porres homéricos com loló, galões de vinho e cervejas; pelas viagens interestaduais de última hora e também pela quase reprovação aos 45 do segundo tempo em física; toda essa esculhambação misturada com a sensação de despedaçamento que é ter um amor adolescente impossível aos 16 anos e pensar nela o dia inteiro, como sempre acontece, depois de descobrir o Loveless do My Bloody Valentine e principalmente por ter entrado no segmento onde as coisas começam a ficar perdidas e tudo o que resta é tentar voltar ao encontro delas, de qualquer maneira, tem horas que sinto vontade de descartar todos aqueles dezesseis anos e com eles essas hipóteses acima, meter uma vírgula no espaço e acreditar que só pela expressão facial do Bill Murray, em qualquer seqüência que seja, é Encontros e Desencontros o filme que eu queria ter feito.

|