[12:32 AM]
Aqueles dias em que você não consegue sentar em frente à televisão para sequer ver um episódio de um seriado qualquer, depois acaba se sentindo atacado pelo sacana do Parkinson quando tenta ler o livro três vezes renovado na biblioteca da faculdade e não consegue ficar mais de dois minutos parado, aí então você recorre ao acervo do Cinema Marginal e quando tudo parece certo como dois e dois surge aquela vontade louca de dar um tiro na cabeça do Mojica, desligar a televisão e dar uma golada violenta na garrafa do conhaque que só é usada em dia de strogonoff, sabe? Multiplique esses dias por 30 e entenda o motivo de seis míseros filmes no mês de maio e nenhum livro concluído. O problema é que o reflexo de toda essa inércia acontece nos momentos mais indevidos, me sinto o ser mais ignorante do universo durante essa abstinência de conhecimento e não consigo manter um papo por muito tempo, seja na internet ou numa mesa de bar. Não, não falo dos silêncios inconfortáveis propostos pelo Tarantino e que se fundamentam em outros casos que não esse aqui. No plano dos silêncios, talvez seja a falta de intimidade, o deslocamento social, o contato intimidante da pessoa, vários aspectos que não dizem respeito à restrições intelectuais. Não vejo filmes, não leio, olá ignorância, serei eu o único ser telepata nesse mundo de três tristes travestis?
Queria falar aqui que na mais feliz das coincidências acabei assistindo I’m Not There nos cinemas, após um esforço helênico de resistência contra as tentações de baixá-lo pela internet, justamente no dia em que o Dylan comemorava 67 anos de vida. O presente foi meu, claro. E digo que mesmo com toda a pequenez da tela, do espaço e das condições em que o filme foi exibido, fiz bem em esperar todo esse tempo para recebê-lo e, por mais que não tenha saído da sala com o entusiasmo que imaginava possível há uns meses, só a versão de Goin’ to Acapulco no belíssimo (e desde já meu preferido) fragmento protagonizado por Richard Gere evocando a época das The Basement Tapes me fez abrir um sorriso dos grandes. Aliás, idiot wind, não sopre contra Woody Allen à essa altura do campeonato, seu último filme, mesmo com toda a precipitação no ato conclusivo, é irregular como a grande maioria das obras do velho e para um cara como eu que não se preocupa com polidez (no sentido de acabamento, claro) ou mesmo com uma suposta precisão estrutural e narrativa herdada do cinema clássico americano, O Sonho de Cassandra foi uma grata surpresa e só não é melhor do que Ponto Final porque nem as boas atuações de Colin Farrell e Ewan McGregor se equiparam à presença magnética de Scarlett Johansson sem blusa na chuva. E como são necessários mínimos quatro dias no Rio de Janeiro para que o radar ministrado pelo álcool etílico em conjunto com as células cardíacas revire o túmulo de Platão e registre 3 ou 4 paixões de uma noite apenas, voltei para cá mais uma vez com a cabeça parecendo não ter encontrado linhas definidas e retilíneas para se focar, restando então aquele tremido das fotos que nem as mãos do Paulo José conseguem fazer melhor. Acabei, assim, perdendo as oportunidades de assistir Cleópatra e Falsa Loura no circuito carioca, fato esse que na cadeia das mais simpáticas probabilidades só conseguirei confirmar dentro de um tempo indeterminado e que depende dessa vontade latente das duas mudas de roupas na mochila e uma passagem para a capital, no dia em que eu for-me embora. Por ora, continuo a moldar minha ignorância com a capa do livro argentino que não pára de me encarar deitado na estante enquanto o fim do dia chega e eu volto sonolento e de olhos fechados para a balada de um homem magro, raquítico.
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