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[5:16 PM]
L.H.O.O.Q. ou “ela tem fogo no rabo”
Apresentei aquele que pode ser considerado como o meu primeiro contato direto com o experimento cinematográfico semana passada, durante a última aula do semestre, para uma sala de mais ou menos 15 pessoas. A reação não podia ter sido diferente (e tão menos honrada ou esperada do que qualquer outra): passaram pelo urinol sem sentir seu cheiro ou sequer observá-lo por inteiro, com olhos e poros abertos, atentos. Por mais que o período de “filmagem” possa ser resumido em um mísero dia, sem inspirações parnasianas ou encaçapadas certeiras durante a coleta de depoimentos, mais do que nunca me parece que o litro de angústia fica mesmo é na mesa de montagem - a bula ignora a dosagem - e o esvaziamento ocorre em doses pequenas, dois dedos, como um veneno crônico que nos distancia do sono. Tá certo que eu nunca quis ser a Françoise Collin para brincar de estudante durante o maio francês ou selar o beijo do pierrot na roda, mas o contato direto com a indiferença pressupõe que a) estamos e pode levar em conta apenas o singular diante de um bolo de pretensão cuspido e escarrado, esvaziado de conceito e assumidamente pobre em sua caracterização temática, b) as pessoas da sala de jantar não aprenderam até hoje que o negócio é derrubar as estantes e virar os livros do avesso, enredo e verso, e, portanto, são esvaziadas com alto risco de transmissão ou c) já que tudo se resume ao sexo, Mr. Sganzerla, tire-nos daqui com toda sua veste e deixe que o sheik se mate.
Três dias enfurnado na ilha de edição para quinze minutos retalhados e de inquietude, sonoros, como o depoimento pelas ruas de São Paulo que ecoa até hoje nos pisos de azulejo hidráulico da parede. É também o que o americano chamaria mais tarde de verdades e mentiras, sobre a mágica, a montagem e a ilusão do espectador. Mas a verdade é que fiquei pobre depois que o Tonacci desenhou novos rumos para o cinema, e não seria errado supor que toda essa lira não passou de um noturno delírio de vaidade, imaginada só para ver as meninas duas lindas seqüências de Bang Bang projetadas na sala de aula sob o prisma tropicalista de Lost in the Paradise e sempre De Cara. Não tínhamos proposta, nunca tivemos outro pensamento senão o de fazer transbordar o conteúdo do urinol, de impedir a auto-afirmação, porque eu sempre soube que o essencial era fazer com que as idéias tomassem conta queimando gente nas praças públicas. Mas, se tudo se resumir apenas a uma questão de sexo, não nos resta dúvidas: ela tem mesmo fogo no rabo.
P.S.: Gil, pode vir que hoje tem canjica na varanda da Maria.
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