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Mesmo sendo cada vez mais difícil, continuo fazendo as honras de advogado de defesa da obra do Woody Allen quando, volta e meia, a discussão em torno de seu nome ressurge por aí. Seu último filme, por exemplo, vai de encontro às obras que o consagraram e é outro tijolo que ajuda a solidificar a construção dessa nova morada que ele parece estar erguendo desde o começo da década, calcada em uma sobriedade cinza que vez ou outra mostra a verve séria do cineasta. O problema é quando nos deparamos com um filme cuja essência condiz com a grandeza de seu título, como é o caso de Antes Que o Diabo Saiba Que Você Está Morto, de Sidney Lumet, que põe abaixo todo o esforço de Allen e se individualiza através de uma elaborada armação de um texto fragmentado e de uma alta sofisticação no conceito visual. Insuportavelmente tenso, bastam os 10 minutos iniciais para despertar a pobre Cassandra e lançar à moça o aviso de que, perto da representação do inferno encenada através das lentes de Lumet, seu sonho não passou de uma singela contagem de carneirinhos. Difícil acreditar que os 84 anos vividos reverteram as expectativas e abriram um abismo imenso entre o veterano cineasta e a senilidade que acomete pessoas de sua idade, quiçá até mais novas. A rigidez dos enquadramentos dá espaço para a interação entre personagem-espaço de forma geométrica, sendo esta simbiose elemento vital para a construção e o polimento das personagens que se chocam ao longo da narrativa (opção que se justifica na seqüência em que Phillip Seymour Hoffman bagunça sua casa após ser deixado pela mulher). Equilibrado de uma forma que conjuga tensão e densidade, sem em momento algum abrir mão da elegância, o ritmo do filme mostra o domínio e a excelência de Lumet por trás das câmeras e colocam este filme ao lado de suas maiores e mais significantes contribuições ao cinema. Mal aê, Woody, eu bem que tentei.
P.S.: Wes Anderson, pintor frustrado, brinca de playmobil com figuras humanas em vagões perdidos pela Índia enquanto escuta o melhor disco do Kinks e olha fixamente para o próprio umbigo. Aos 47 anos, cansado de falhar em discussões públicas com o amigo brasileiro Jorge Gauguin (a mais célebre delas sobre a vida e a obra de David Bowie), embarca em um retiro espiritual para as Filipinas onde acaba cortando e depois comendo um pedaço da própria orelha. “A antropofagia gratuita pouco me interessa, não dou minha arte aos tempos”, disse ele, em entrevista coletiva concedida diretamente do saguão de entrada do Hotel Chevalier, em Paris, maio de 2007.
Antes Que o Diabo Saiba Que Você Está Morto (Before the Devil Knows You’re Dead, Sidney Lumet/ 2007)
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