[5:29 PM]
A boa da vez é para os cardíacos-suicidas: ainda não tive notícia de outro filme que descarregue tantas doses de adrenalina seguidas (homeopatia é para os fracos) quanto O Nevoeiro, sem dúvidas a melhor coisa que o Frank Darabont fez depois de fechar um livro de Stephen King e esquecê-lo na estante. A embalagem é mesmo a de um filme menor, de baixo orçamento, mas o que ele faz com as possibilidades de alcance do roteiro chega a impressionar. Muito além de um estudo comportamental (e aí encontram-se as semelhanças com O Enigma do Outro Mundo, do Carpenter) de desenlaces psicológicos, o filme sustenta uma atmosfera de horror enquanto abre espaço e se joga sem medo no buraco negro das metáforas, exigindo um suplemento por parte do espectador que só a visão crítica de alguns será capaz de assimilar. Há monstros, tentáculos, insetos voadores e outros vários atropelos à razão, mas o que interessa mesmo na carpintaria de Darabont são os personagens - o homem e sua relação com o próximo, com Deus, com o Estado e, principalmente, com o desconhecido. A religiosa interpretada por Marcia Gay Harden chega a causar revolta, tamanha a entrega da atriz em sua caracterização de uma fundamentalista extrema - na sessão soaram até palmas no desfecho de sua personagem. Pra quem tem preguiça de rapel ou bugge-jump sem corda (estilo menina-Nardoni), O Nevoeiro é tão bom que chega a ser um alívio de consciência para nós, sedentários de plantão.
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E Sympathy for the Devil, revisto ontem, numa cópia cristalina que até dá a impressão de estarmos ali, dentro do estúdio, recebendo uma baforada de cigarro do Keith Richards enquanto o Godard lança suas idéias sobre o Maio de 68? São poucos os filmes que com o passar do tempo assumem ares de cápsula do tempo ao mesmo tempo em que se mostram tão joviais e enérgicos a cada nova visita que nos fazem. É certo que o passar dos anos e os rumos tomados pela História fizeram com que algumas idéias perdessem sua credibilidade passando assim a soarem obsoletas em sua essência – como a admiração pela política de Mao-Tse Tung -, mas, só de se imaginar que tais ideais foram lançados no olho do furacão de 1968 as proporções da coisa já tomam outro rumo. É, também, um filme que sempre me instiga a cada nova revisão (essa foi a primeira vez no cinema), por assimilar com uma dinâmica rock’n’roll o que se passava na cabeça de um cara que vivenciou e provocou uma turbulência no cenário cultural sessentista enquanto respirava cinema, lia quadrinhos e ouvia o som das guitarras dos Stones. Em processo de desintegração emocional devido às circunstâncias em que se encontrava o Brian Jones, drogado, traído e rebaixado à coadjuvante, a banda aparece no estúdio em imagens que são puro deleite, em pleno processo de criação e numa dinâmica até então desconhecida do grande público. Provavelmente é o único registro visual em estúdio da fase do Brian Jones, e com isso há o acréscimo sempre bem-vindo (mesmo que de costas e completamente vestido) da gloriosa Anita Pallenberg, que a essa altura já era o quinto membro da banda. Não duvido nada que Godard e os Stones tenham firmado seu pacto com o demônio durante as gravações deste filme – única explicação para a eterna jovialidade dos músicos britânicos e também do cinema do francês.
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