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Os personagens de Linha de Passe refletem um Brasil em busca da afirmação, estão todos em movimento constante na busca por uma verdade que os caracterize no mundo em que vivem. Passam o filme todo andando, como que recortados entre duas instâncias distintas, esperando encontrar algo que nunca tiveram e que os diferenciará dos demais brasileiros. Se mostram nus na multidão, o grito engasga na garganta a cada nova frustração, a cada cruzamento que vai direto para a linha de fundo. O filme de Walter Salles e Daniela Thomas ainda se mostra sucinto em sua visão sobre o organismo periférico nacional, sem apelar para a poesia calculada e mecânica que carregava e extraía toda a naturalidade (e, por conseqüência, a beleza e o valor) de parcerias anteriores e até mesmo dos projetos pessoais da dupla. Dessa vez parece que ouviram as palavras da minha mãe, que sempre quando vai ao açougue comprar presunto diz ao cortador: “Pode cortar bem fininho, se quebrar não tem problema”. Ela nunca gostou de comer pão com bife. E Linha de Passe mostra pela primeira vez uma preocupação sensata em não deixar espaços, em sufocar o personagem com a proximidade de uma câmera que investiga cada cômodo daquela triste casa mas que não dá espaço para o choro, a lamentação, a desilusão. O corte é seco, acontece antes, impede que a harmonia tão própria daquela família seja espedaçada em função de um desajuste irrefreável causado pela situação econômica. O personagem de Vinicius de Oliveira chora, mas chora no quarto, trancado, sem que o vejamos. Essa objetividade com que o corte é realizado faz com que Linha de Passe cresça na memória, e talvez por isso, só agora, quase duas semanas depois, é que pude convergir algumas idéias que eu tinha a respeito dessas colocações. Essa força surge através de uma economia de espaços que o cinema de Walter Salles e Daniela Thomas não conhecia, já que em muitos de seus filmes o plano longo e aberto foi o quadro ideal para se chegar a resoluções de caráter pictórico, para emocionar o espectador através de uma contemplação abusiva que enganava e convencia pelo cansaço. Não passava de perfume barato. Este se mostra um filme de difícil acesso, polido e distante, que não se preocupa em estabelecer um diálogo efusivo com o espectador. São os silêncios e a incomunicabilidade que marcam as dificuldades da família, de quatro pólos distintos que se atraem através da potência centrípeta de uma mãe que se duplica a cada filho. Não vemos o gol, "olha para a minha cara", anda! O desfecho, belíssimo, eleva essa síntese de corte ao seu máximo, atingindo momentos de uma beleza que raras vezes vimos no cinema nacional recente. É o Brasil se reafirmando, se mostrando capaz de andar com as próprias pernas, capaz de guiar um carro sozinho, de marcar o gol decisivo, de parir o próprio filho.
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