qualquer coisa
num verso intitulado mal secreto
 

29.10.08


[2:06 PM]

Não bastava aquele ovo arremessado na janela do ônibus que passava pela Presidente Vargas, atingindo em cheio o lado esquerdo da cabeça da senhora das sacolas, o cara ainda ficava gritando no meu ouvido que tinha largado as drogas, que no meio de um caminho de trevas a luz se fez e – tcharam! – Jesus apareceu em sua vida, que perdeu a mulher e os dois filhos quando caiu no fundo de um abismo e que agora precisava de qualquer ajuda para ajudar outras pessoas a encontrarem a mesma luz e seguirem seu caminho em paz. Ok, Thomas Edison, meus cinqüentas centavos são investidos em fichas de fliperama, uma cachaça, dois chicletes de caixinha ou numa máquina de jogo do bicho, menos na sua mão, só pelo fato de você não possuir o botão do MUTE pregado na testa. That’s the lei do livro-arbítrio. Se a música de fim de ano da Globo já começa a ecoar pelos cantos do meu cérebro eletrônico, os próximos dois meses supõem uma batalha para a qual eu não me preparei por completo. Talvez por isso não vejo a hora de enfrentá-la, pois, para quem nasceu prematuro, horário de verão não é nada. Pode ser que nos encontremos na locadora mais próxima, que eu venda um livro para sua tia ou até mesmo que eu apareça na sua cozinha carregando um galão de água Indaiá. As pessoas por aqui carregam olhos de assassino, degolando e expondo vísceras pela rua sem dar satisfação, sangue no metrô, mares vermelhos, como se sessenta segundos não fossem suficientes para saltar do vagão.

“People are crazy and times are strange”

O meu prazer em escrever qualquer coisa que seja neste espaço está justamente na possibilidade de me aproximar de pessoas que não conheço, da intimidade imaginária que estas linhas constroem e que me apaziguam através do conforto do anonimato. Entrar pelo bar lotado e ser vítima de homicídios visuais enquanto procuro pelo ombro descoberto, pela raiz cada vez mais branca dos cabelos e a sobrancelha que se faz fina como uma veia negra sobre os cílios, as coisas podem fazer mais sentido se eu disser que o jogo começa muito antes disso. Say hello to my little friend. Nesse espaço não existe identidade, não há forma física que dê conta do fluxo que escorre pelas pernas dela e me deixa confuso, atordoado, apaixonado. É só sentar ao meu lado na poltrona para assistir um Ozu e pousar a bolsa no meu colo, não ligo em guardá-la enquanto seu celular toca e você sai da sala para atender. Eu sei que as dimensões pequenas do meu rosto no espelho não conseguem te intimidar, mas eu não ligo, já disse; basta de copos cheios e pessoas certas, há um tatame para os que caminham a esmo e arremessam ovos em Wall Street à procura de um chão que se dispa do efeito ultrapassado da gravidade. Pode ser que tudo não passe de um alívio branco, passageiro, viagem de ventania: o que interessa é que preciso urgentemente encontrar um modo de me jogar no meio dessa multidão, com as retinas afiadas, prontas para fatiar em pedaços pequenos qualquer uma que atravesse meu caminho.

P.S.: Gil, pode vir que Cassavetes está no último trem da estação, 19h.



 


é isso aí, bicho

 

 


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