[12:20 AM]
Preguiça. Pura e simplesmente. Tá explicado? Para o bom leitor, uma palavra basta.
Dois mil e nove se aproxima e eu sequer comecei a pensar nas famigeradas listas de melhores do ano. Quer dizer, nas melhores vírgula, porque faz tempo que eu parei de acompanhar a leva de “melhor banda de todos os tempos” que a NME anuncia mensalmente e, com isso, praticamente extingüi (hoje é o último dia para se usar o trema obrigatoriamente, me deixem aproveitar) do blog e da minha vida a listagem que envolve a música: melhores discos, shows, covers, lançamentos e descobertas estão fora de cogitação por aqui. Sobram os filmes. Mas eu vou empurrar o quanto puder essa listinha para o começo de janeiro a fim de preencher algumas lacunas, mesmo lamentando efusivamente a impossibilidade de assistir Serras da Desordem, Falsa Loura e os filmes do Belmonte, um sujeito que me interessa bastante. Enfim, é isso. Hoje tive a oportunidade de trocar duas palavras com o pianista brasileiro Nelson Freire, que apareceu na livraria comprando vários devedês clássicos, de Clark Gable a Humphrey Bogart, e imediatamente me lembrei do documentário de João Moreira Salles, onde ele aparece se divertindo enquanto ouve Erroll Garner ou ao assistir filmes cujos títulos me escapam por agora. O cara é bacana, e o tamanho de sua timidez só encontra páreo na grandiosidade de sua música. Não deixa de ser estranho trabalhar num lugar desses, cujo convívio com várias pessoas que eu admiro há anos é diário e natural, mas que a ética da empresa me castra de tietagens e outras banalidades do tipo. Isso até a Alessandra Negrini voltar lá, claro, de jeans puídos e umas olheiras ebriamente sensuais.
Como eu sou e sempre fui um retardatário para certos assuntos (ou será reflexo da “adolescência tardia” a que sempre me é referida?), só agora consegui um acervo de qualidade para assistir filmes, e, tirando o atraso, fui direto em um que eu sempre quis ver mas nunca consegui devido à ausência de legendas em português. E minha idéia se confirmou: Minnie and Moskowitz é a obra-prima esquecida de John Cassavetes. Antes da intensidade emocional de Amantes ou do fluxo descontrolado de Uma Mulher Sob Influência, está Assim Falou o Amor, tradução tosca para um romance pequeno, simples, que dialoga diretamente com as obsessões do cinema de Cassavetes e é um autêntico elogio ao amor, à paixão que converge corpos díspares porém semelhantes em suas necessidades. Todos os personagens de Cassavetes sofrem por amar demais, o excesso de sentimento pesa a ponto de se tornar culpa e, enquanto a sociedade se encarrega de penalizá-los por isso, a intensidade da entrega ao outro se sobrepõe aos preceitos sociais nesse que é o mais otimista e o mais bonito (dentre os que vi) dos filmes do cara. Gena Rowlands está um espetáculo, e esta é a prova dos nove para quem ainda não se apaixonou pela loira. Ainda melhor que Maridos, Minnie and Moskowitz é o primeiro sinal da força que Cassavetes mostraria nos filmes subseqüentes da década de 70.
E se eu sou frustrado por não ter decorado o número do meu CPF até hoje, pelo menos posso dizer que meu inglês virou outro depois da mudança para o Rio. Saiu da puberdade e entrou na vida adulta com vigor, e isso sem um ano sequer de aula particular, tudo na marra da educação osmótica mesmo. Além de orientar clientes estrangeiros na livraria com alguma facilidade, ontem consegui assistir a Floresta dos Lamentos, da Naomi Kawase, só com legendas em inglês. Claro que não é um filme verborrágico, ou de muitas falas, mas já é alguma coisa. Dormi orgulhoso de mim, do valadarense que sou. Também pudera, difícil esquecer das imagens que Kawase prendeu em minhas retinas. Seguindo a linha de Apichatpong Weerasethakul, Floresta dos Lamentos é uma experiência sensorial que dispensa maiores explicações. A interação que provoca entre homem e natureza é certamente um dos pontos altos do cinema oriental da década, e toda a falação da crítica em torno do filme não só se justifica como também se louva, já que foi só por ter lido bastante a respeito da obra é que fui atrás dela. Leio para isso. O filme é tão precioso na maneira que transforma homem e natureza numa unidade (a exemplo de Mal dos Trópicos) como quando lida com as relações interpessoais entre os habitantes de uma pequena vila encrustada nas montanhas. Fui deitar com uma sensação de leveza que há muito não experimentava. Parece que Kawase possui um outro filme digno de atenção, vou até ele em breve. Por enquanto, fica aqui outra forte recomendação.
Queria mesmo é assistir a adaptação do Visconti para O Estrangeiro, do Camus, já que, a poucas páginas do ponto final d’A Peste, cuja indicação partiu de um antigo colega de faculdade, meu interesse pela escrita e pela postura política do argelino se confirma mais do que nunca. O rompimento com Sartre mostra que a lucidez transpassada pelas obras não se restringia aos livros. E o cara é fera com as palavras, joga com metáforas tão bem como com as frases curtas e os parágrafos longos. Sua descrição da cidade de Oran, assim como sua relação com seus concidadãos, já nos primeiros instantes do livro, mostra que o domínio e a habilidade de Camus com o lápis é o equivalente ao Pelé com a bola no pé. Assim que terminar o livro volto a falar dele e de outras coisas. Como diria Silvio Santos, aguardem. E, até lá, um ano de concretizações para todos nós. Porque, de promessas, o inferno está cheio.
P.S.: Queria falar de Memórias do Subdesenvolvimento, o registro memorial de Cuba sobre as transformações sócio-políticas que o país passou durante a década de 60, tão romantizado como inovador, que o Tomás Gutiérrez Alea cometeu em 1968. É o equivalente cubano ao nosso grande São Paulo S/A, do Luiz Sérgio Person, um sujeito que será tema de uma postagem em muito breve, e o qual você realmente precisava conhecer. Nem que seja para saber que é o pai da Marina, aquele pequeno e sempre constante objeto de desejo deste que vos escreve.
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