[12:31 AM]
Angelina Jolie tem tantos filhos que pode facilmente montar dois times de futebol de salão sem deixar ninguém esquentando banco. No entanto, em A Troca, implora desesperadamente para reaver um deles, desaparecido e supostamente trocado por outro garoto pelo departamento de polícia de Los Angeles. Admito que entrei um pouco receoso no cinema, infelizmente envenenado por algumas críticas incisivas ao filme do Clint, algumas das quais até o reduziram ao chavão abominável de “filme menor”. E já na primeira cena tomei um susto, temendo pelo que viria a seguir, quando a câmera simplesmente filma o toque de um despertador enquanto Jolie, mãe alerta que é, o desliga, levanta da cama, acorda o filho e prepara o café, tudo isso em apenas 2 segundos. Pode não parecer plausível, mas a primeira sequência sintetiza com clareza o problema central do filme: por mais que Clint Eastwood tenha em mente um projeto de filme delineado, de modo a contar com os mínimos recursos possíveis para transmitir seu olhar sobre a história, a interpretação de Jolie joga a espontaneidade do filme em outra via e acaba desencandeando um embate cruel entre o natural e o mecânico, num plano onde a coexistência entre ambos sequer pode ser cogitada e a existência de um anula as possibilidades do outro. Sua interpretação é programada para emocionar tal qual Charles Bronson o é para matar. O problema é que Bronson matava, já Angelina debilita as potencialidades da narrativa ao expor com transparência as fraquezas do roteiro, impedindo o filme de avançar e de se impor de maneira positiva em grande parte de seu tempo de cena.
Tanto é que a história cresce exponencialmente quando prioriza o foco em outras estruturas que não a da mãe desconsolada: é quando vemos a mão segura de Eastwood aparecendo, seca e confiante de si, nos momentos em que o filme se desdobra para o thriller e volta a aliar um senso dramático que pende para o suspense, numa tensão que é explorada com grande notabilidade pela montagem. Se o resultado não é de todo satisfatório (principalmente se valermos a comparação com a torrente de filmaços que o Clint vêm cometendo nesta década), A Troca toma rumos violentamente mais densos quando se afasta da interpretação maquinal de Angelina Jolie - seja em qualquer das sequências passadas no rancho ou durante o enforcamento do assassino -, o que me sugere que a opção por tomar para si o papel principal em Gran Torino é só uma das provas de que Clint Eastwood ainda pensa em seu cinema com uma lucidez que não cansa de impressionar. E que Machado de Assis estava certo: o negócio é não transmitir a criatura nenhuma o imenso legado da nossa miséria. Em nome do bom cinema.
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