[2:57 AM]
Mistério sempre há de pintar por aí, não é? Pois ontem eu já estava quase batendo cartão quando o Caetano Veloso resolveu dar as caras por lá, beirando a meia-noite, só para revolver aqueles tiques nostálgicos que eu tento ao máximo empurrar para debaixo do tapete mas que vez em quando emergem em meio à desordem da minha estante de livros. Insatisfeito, fazendo-se valer de uma atitude tipicamente provocativa, como a que emana de toda a sua arte, o cara ainda fez questão de me desafiar, inconsciente e discretamente, levando para casa um daqueles maravilhosos boxes que a Criterion fez do John Cassavetes - como se soubesse de tudo -, enquanto eu vasculhava as quinas e os cantos da minha mente pensando em algo interessante para puxar papo. Como era de se esperar, não falei nada, apenas me contentei em observá-lo (tal qual Talese fez com Sinatra antes de escrever seu famoso artigo), trancafiá-lo na jaula e lançá-lo para exposição no meio daquele covil de pessoas sedentas por informação. Só vi Caetano no palco duas vezes, ambas ano passado, durante a turnê de divulgação do Cê. E o que ele traz consigo durante a perfomance vai além da música: começa na intensidade da voz, se estende pela presença de palco (é só um jeito de corpo?), passa pelas conversas com a platéia e deságua numa carga memorial de um período que os livros de história geralmente resumem em duas ou três linhas, mas que refletiram incidentemente nessa galera que tá aí hoje, almejando não as rédeas do poder, como em 68, mas sim uma posição dentro da esfera política de modo a usufruir e fazer parte desse poder. Falam muito em perda de ideais, ignorância, alienação, e eu assumo parte dessa debilidade - mas não é que a culpa seja única e exclusiva nossa: são as consequências de um projeto neo-liberal se agravando e cobrando a sua parcela da conta. Às vezes as maiores reflexões acontecem assim, com um simples objeto ou acontecimento capaz de catalisar pensamentos e provocar mergulhos que não vêm isentos de sentimentos intransigentes, como a decepção ou o regozijo. Ver o Caetano ali, na minha frente, me fez lembrar das minhas noites em terras capixabas, uns três anos atrás, deslumbrado com a Tropicália e suas rebeliões, entre garrafas de cerveja e lamentações por ter nascido tanto tempo depois. Hoje, passada uma parte do turbilhão que marcou aquela fase e todas as descobertas de Brasil e de mundo, sei que não é de todo tarde, que ainda tô em tempo de Caetano. Um tempo que não irá revivê-lo ou remontá-lo, mas que me permite encontrá-lo num sábado à noite, por entre fotos e nomes, capaz ainda de me levar de volta para casa com os olhos em chamas e a cabeça fervilhando de idéias, pensamentos, cores e mictórios.
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