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De certa forma, a gênese da personagem anárquica e subversiva que o Kubrick criou para seu Alex DeLarge pode ser encontrada no protagonista de If...., filme do Lindsay Anderson que está para ser lançado em DVD por aqui, com o mesmo Malcolm McDowell endiabrado encabeçando o elenco. Ao focar a insatisfação com que um certo grupo de estudantes lida com a repressão e a ausência de direitos em uma escola de métodos rígidos, Anderson traduz bem o espírito de libertação que varreu toda a juventude da década de 60, impulsionada pelo desejo de reformular valores e romper radicalmente com tradições estabelecidas e banhadas em caretice. O filme conta com umas duas ou três sequências belíssimas, sendo duas delas com uma carga simbólica que sintetiza bem esse desejo de liberdade: Malcolm e a menina duelam primitivamente num bar vazio, simulando felinos à mercê do coito, num preto-e-branco que logo em seguida é alternado para cores que explodem nos verdes campos ingleses, a fim de registrar um passeio de moto a três, com braços abertos e vento no rosto, perfeita válvula de escape em um mundo de chicotes e normas opressivas. Quem gosta de Sociedade dos Poetas Mortos deve passar longe – eu, como abomino tal engodo edificante, vibrei com a expressão de fúria que fecha o filme. * * *
O maior pecado que Quando Éramos Reis comete é reduzir George Foreman a um mero coadjuvante de ringue com o propósito deliberado de exaltar excessivamente a figura de Cassius Clay. Até onde eu saiba, uma luta se faz a partir de duas partes, e mesmo que Ali tenha sido um atleta extraordinário, um frasista afiado da melhor estirpe assim como um cidadão de posições sócio-políticas notáveis, é uma grande sacanagem renegar o hoje senhor das churrasqueiras Foreman (que inclusive entrou em depressão profunda após ser nocauteado no oitavo assalto) à posição de mero figurante no duelo. A opção por esse tratamento arbitrário e maniqueísta, evidenciado a todo instante pelo trabalho de montagem, extrai do filme a força moral que ele supõe possuir ao focar o contexto no qual aconteceu a famosa luta, em 1974, na República africana do Zaire. Mesmo assim, é um documentário com qualidades que não ficam restritas às quatro cordas do ringue, indo além do combate para explorar a relação dos lutadores com a população africana, a postura adotada por ambos para lidar com a imprensa, as poderosas intervenções musicais dos Spinners, de B. B. King e James Brown, os bastidores do mar de sangue que cobriu o Zaire durante o governo do ditador Mobutu, o esforço do lendário promotor de lutas Don King e seu cabelo estiloso para levar Foreman e Ali de volta à Africa, assim como vários outros aspectos da cultura negra na metade dos anos 70. São também de imensa preciosidade os comentários literatos e apaixonados de Norman Mailer - que em 1975 publicou o livro A Luta, no qual relata toda a atmosfera e os acontecimentos que marcaram o duelo – e do também jornalista George Plimpton, ambos presentes no estádio durante o evento. É indispensável não só para quem curte boxe, mas também para quem acha que já não se fazem mais mundos como os de antigamente.
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A sequência de abertura de O Beijo Amargo é realmente primorosa – pena que o resto do filme não esteja à altura, principalmente a condescendente virada final. Mesmo sendo um pouco previsível, torci até o último minuto para que o Fuller continuasse no papel de filho da puta e se mostrasse destituído da crença em misericórdia social que acaba selando o destino de sua anti-heroína. Lembrei do final de M, do Lang, cujo paralelo é pertinente mesmo que o desfecho dos personagens principais se diferencie. E a Constance Towers, fui só eu ou mais alguém achou que ela não só é a precursora como também bastante parecida com a nossa eterna musa loira de cabelos ondulados? "Ela nunca dá troco". Hail, Fuller!
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