[2:44 AM]
1) Tive de recorrer a um dos piores cinemas da cidade para poder assistir Watchmen na telona, já que o filme parece não ter sido muito bem aceito pelo público (amigos meus falaram que assistiram em salas quase vazias) e é bem provável que se retire precocemente do circuito já na próxima semana. O som da sala em que eu estava é simplesmente sofrível, com caixas estouradas e um grave mal regulado que encobria até mesmo as falas dos personagens – o horror. Mas suspeito que, tivesse lido a história em quadrinhos antes, não gostaria tanto do resultado final como de fato acabou acontecendo. Ia perder meu tempo procurando furos no roteiro, ideias mal aproveitadas, desvios de rota na narrativa e outras picuinhas típicas de fã chato e cerebral. O filme se sustenta muito bem quando isolado do formato original, isento da carga comparativa que inevitavelmente surge em casos de adaptação, mesmo sofrendo alguns solavancos no decorrer da história. A ambientação e a atmosfera lúgubre, palco ideal para a existência de conflitos entre heróis taciturnos, conhecedores do ocaso, é o que mais me atrai em Watchmen. O filme é envolto por uma névoa sombria, desoladora, como se a razão tivesse sido abandonada e esquecida em um beco qualquer, e a concretização de uma possível perspectiva histórica como pano de fundo dramático para a desconstrução de super-heróis é muito mais consistente do que qualquer tentativa de Christopher Nolan de inserir seu Batman no mundo real. Watchmen abraça a verossimilhança de seu universo sem se privar da fantasia que cerca a figura de um homem uniformizado e de máscara, de modo que Zack Snyder não precisa fincar os pés de seus personagens na realidade tal qual a conhecemos para soar moderno ou questionador. Humanos ou não, lidamos todos com conflitos internos semelhantes – e, à sua maneira, a pretensão de Watchmen só não o fez superior por não optar em um desmembramento que resultasse numa trilogia. Certamente ia ser O Poderoso Chefão dos filmes baseados em quadrinhos.
2) Essa abertura é foda demais, pena que o som do cinema não favoreceu nada. Mesmo assim, vale o filme.
3) Só não partilho da mesma fatia de empolgação da moçada em torno de Entre os Muros da Escola porque entre eu e aqueles jovens, todos eles, existe uma barreira monstruosa e intrasponível (pelo menos em níveis comportamentais) conhecida como Oceano Atlântico. Eu não era daquele jeito na sala de aula. Meus amigos e colegas de classe também não. Os professores que eu tive não dialogavam com o perfil construído por Laurent Cantet. Daí o estranhamento negativo que o filme me causou (então hoje é assim?). Há sim uma veia muito potente de encenação, principalmente na diluição de fórmulas e enfrentamentos tão comuns em um ambiente fechado - mas nunca claustrofóbico - mostrando uma vivacidade e um tesão tão grande pelo objeto de estudo que arrebatam e fazem a gente querer interagir com aquelas pessoas, repreendê-las, elogiá-las, abraçá-las etc. Mas não bateu. Sei lá por que. Estou procurando justificativas para explicar minha apatia em relação ao filme e só encontro retorno no balançar irritante da câmera, mandamento fundamental do cinema que se julga moderno no olhar sobre um tema social, e na distância abissal que existe entre a colisão de interesses daquelas pessoas e das outras tantas que passaram pelo meu caminho durante meu período de educação. Os problemas são outros, as resoluções e relações, idem. Por isso reajo com uma emoção muito mais acentuada ao depoimento das três meninas paulistas em Pro Dia Nascer Feliz do que ao da aluna que diz não ter aprendido nada em Entre os Muros da Escola. Se a tendência do cinema atual seguir para o campo do eurocentrismo, já antecipo que não há muito pavio da minha parte para ser queimado. Pulo fora e vou ver Garapa numa boa.
4) Saiu o novo livro do Chico Buarque, Leite Derramado, com direito a duas capas diferentes e uma vitrine inteira na loja só para exposição dos milhares de exemplares que chegaram por lá. O título em si já mostra que o Chico não perdeu sua veia sacana, mesmo velho e consagrado. Nunca li nada do cara, mas só de ver o tipo de público que consome sua literatura e bota o pão em sua mesa – na maioria dos casos são dondocas entediadas, velhinhas surdas e quase cegas e estudantes de classe média alta-, acabo me afastando de modo asséptico de todo esse cortejo. Os elogios não param de pintar: o caderno de livros do Jornal do Brasil inclusive estampou metade do rosto do Chico com metade do de Machado de Assis em sua primeira página, estabelecendo um paralelo entre os dois que vai muito além do temático, como sugere presunçosamente a imagem. Nosso país carece mesmo de novos ídolos. Na falta deles, e enquanto eu crio coragem para ler algum romance do herdeiro dos Buarque de Hollanda, Caetano Veloso divulga a capa do novo disco e comenta brevemente com uma leitora de seu blog sobre os livros do malandro: “Heloisa, você nunca leu os romances da maturidade do Chico? Puxa vida! O texto dele é tudo o que o Gianetti diz. Leia de trás pra a frente: primeiro Budapeste, depois Benjamin, depois Estorvo. Ainda não li Leite derramado. Li todas as resenhas ontem. Quero ler logo. Chico nasceu para lidar com as palavras. E a fabulação de Budapeste me parece perfeita. As outras também são bem compostas. Meu preferido é Estorvo, mas acho que é só porque foi o primeiro dessa leva. Budapeste é o melhor. Mas serão melhores quando você os ler.” Ou não.
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