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Moscou é o diamante polido da cinematografia brasileira neste fim de década. Mais uma vez, reitero: nada de Lula, Eduardo Coutinho é o cara. A exímia capacidade de se reinventar, de colocar seu objeto de investigação em crise, de romper preceitos estéticos e consolidar o imaginário em cena tal qual Welles sugeriu (Jogo de Cena e F for Fake em sessão dupla, por favor); à essa altura do campeonato, poucos são os que representam tão fortemente o ideal de inquietação artística como esse cara. Moscou se alinha à proposta de seu anterior sob a mesma perspectiva: confundir para criar. Ambos partem de um objeto real como meio de se construir a ficção. Em Jogo de Cena, o relato; em Moscou, o texto de Tchekhov. Assim, um e outro trabalham a questão da representação como forma de se distanciar de seu ponto de origem e alçar vôos maiores, estratosféricos. Dentre todos os lances de grande poesia, fico com o momento onde a veia de encenação de Coutinho se sobressai, numa atividade proposta pelo diretor da peça para desnudar seus atores diante da câmera; e, logicamente, com o elenco: maculadas pelo tempo, pelas memórias e pela idade, as três irmãs que intitulam a peça dão corpo a pessoas vazias e fazem de mulheres amortecidas pelas rugas figuras apaixonadamente belas.
Talvez a maturidade tenha iluminado para Coutinho uma das inúmeras questões que ficam a partir de seus dois últimos filmes: é possível dissociar cinema e documentário? Ou melhor, é necessário? Godard já dizia que os melhores documentários tendem para a ficção e vice-versa, e a descoberta dessa junção, do produto ainda não decodificado que pode surgir em meio à essa experimentação, é o que legitima a mágica de um ofício em constante mutação. O cinema de Coutinho atesta essa miscibilidade não se limitando ao enquadramento em nenhum dos extremos – por isso, Moscou flutua como uma pluma no moinho de ventos da memória, se recusando a pousar em qualquer chão e a desgrudar de nossas retinas, mesmo depois de acesas as luzes da realidade.
Moscou (Eduardo Coutinho, 2009)
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