qualquer coisa
num verso intitulado mal secreto
 

30.5.09


[10:32 PM]

Cannes 2009: O júri é muito simpático mas é incompetente. Prêmio especial para Resnais? Palma de Ouro para Haneke? Muita marmelada. De longe, aqui do Brasil, recebendo os filmes através das linhas de cobertura feitas por algumas pessoas bacanas, não duvido que os melhores tenham sido premiados. Festival é assim mesmo, nem sempre o que a gente quer acontece. Em Cannes, então, com um nível de exigência do mais alto grau, não esperava decisão diferente de um júri capitaneado por Isabelle Huppert. A identificação artística com Haneke fez com que o diretor já entrasse em campo com uma vantagem em relação aos outros concorrentes. E dizem (o Merten, pelo menos) que A Fita Branca é mesmo o melhor filme do cara. Vamos esperar pelo Festival do Rio, então, para comprovar essa decisão que carrega uma leve pontada de nepotismo, se os deuses da boa vontade não tomarem a palavra por seu significado literal. Mesmo assim, fica um gosto de caroço de feijão na boca.

Gosto bastante do Haneke. Seu cinema me provoca, vez em quando cospe umas verdades sujas na minha cara a fim de cobrar uma reação por isso. Na maioria dos casos não usa palavras para deflagrar os terremotos sociais que seus filmes sugerem – é um cineasta de situações, de gestos e movimentos, onde o conflito da narrativa é instaurado a partir de resoluções visuais que dispensam suplemento textual. E essas resoluções, secas e pontuais, com o plano aberto e quase sempre imóvel, revelam conceitos e problemas da sociedade contemporânea com uma urgência quase documental.

Os primeiros minutos de Código Desconhecido, por exemplo. Um impressionante plano-sequência iniciado com um diálogo amistoso desemboca num confronto físico entre dois jovens no qual se misturam a questão racial, a posição social dos envolvidos e o abuso de poder das autoridades. Quase 10 minutos de imersão numa atmosfera sufocante que marca o tom de todo o cinema de Haneke. Em seu pensamento, só a tensão entre pólos opostos é capaz de sugerir a reflexão.

Nesse ambiente de frieza e impessoalidade, o que mais me atrai é o modo do diretor de captar o cenário em que ambienta seu rol de manipulações e sadismos. Mais do que a encenação do incômodo, de percepção do estado das coisas entre os homens, gosto do modo com que Haneke filma as ruas, os ambientes internos, as fachadas das casas, limpas, vivas, repletas de elementos díspares resultantes da globalização coexistindo aparentemente em harmonia (tema recorrente dos filmes do sujeito), mas cujas estruturas abrigam e disfarçam doenças sociais e valores corroídos, instintivamente primitivos, mostrando um descompasso nítido entre os avanços materiais e humanos do que se convencionou chamar de pós-modernidade.

É um discurso radical, complexo, que toca em várias feridas e expõe as chagas sem apresentar contra-propostas. Do ponto de vista sociológico, Haneke é um bom cineasta. Sua visão de mundo expressa um olhar cruel e seus métodos de abordagem são até discutíveis, mas depois de Código Desconhecido não me resta dúvida de que, se é realmente apenas isso o que ele sabe fazer (como diz um suposto alter ego do diretor no filme), que continue a explorar o cinema e a violência através desse viés. Na falta dos verborrágicos, o mundo precisa de polemistas visuais para alimentar suas discussões. Pois quem não se comunica se estrumbica, já dizia o bandido.



 


é isso aí, bicho

 

 


[ eu ]

samuel lobo
24
brasil
 


[ leio ]

caderno do cinema
filmes do chico
mesmas letras
trabalho sujo
chip hazard
superoito
passarim
 
[ visito ]

cinética
ilustrada
cinema em cena
IMDb
 
[ estante ]

last.fm
twitter
rym
mail
 
[ arquivos ]

novembro 2005 maio 2006 agosto 2006 setembro 2006 outubro 2006 novembro 2006 janeiro 2007 fevereiro 2007 março 2007 abril 2007 maio 2007 junho 2007 julho 2007 agosto 2007 setembro 2007 outubro 2007 novembro 2007 dezembro 2007 janeiro 2008 fevereiro 2008 março 2008 abril 2008 maio 2008 junho 2008 julho 2008 agosto 2008 setembro 2008 outubro 2008 novembro 2008 dezembro 2008 janeiro 2009 fevereiro 2009 março 2009 abril 2009 maio 2009 junho 2009 julho 2009 agosto 2009 setembro 2009 outubro 2009 dezembro 2009 janeiro 2010 fevereiro 2010 março 2010 abril 2010 maio 2010 junho 2010 julho 2010 agosto 2010 setembro 2010 novembro 2010 janeiro 2011 fevereiro 2011 março 2011 abril 2011 maio 2011 junho 2011 julho 2011 agosto 2011 setembro 2011 outubro 2011 dezembro 2011 janeiro 2012 junho 2012