qualquer coisa
num verso intitulado mal secreto
 

9.5.09


[1:50 AM]


Queria que este fosse um lugar interessante para mim. Onde eu pudesse vir à noite e ler algo engraçado, sem sentido, idiota ou até mesmo sem fundamento algum. Porque, sem sacanagem, o fato de este espaço não encontrar divulgação em qualquer outro veículo, de não ter o famigerado feed RSS ou de não ser integrado aos mais modernos mecanismos de busca não é mera coincidência. Antigamente não era assim. Eu costumava correr atrás de novos leitores colocando anúncios em caixas de comentários alheios, mandando e-mails para meus amigos divulgando o endereço e distribuindo recados em blogs como quem oferece folhetos de propaganda evangélica nas ruas. Queria ser lido de qualquer maneira, independente do que escrevia. Hoje as coisas são diferentes. Compreendo e respeito as limitações deste blog. Por isso, o motivo principal que ainda me leva a escrever não passa muito longe do narcisismo. Por que eu escrevo aqui para que possa me ler. Para tentar me aproximar um pouco mais de mim. E me envergonhar disso. E me penalizar por isso, com essas ausências semanais injustificadas. Às vezes venho com uma imagem, um poema, uma música, um trecho de livro, e aquilo diz tanto sobre o que está acontecendo em determinado momento da minha existência que não vejo necessidade de suplementar com textos bobos ou com parágrafos prolixos. Urubus elétricos voando na noite enevoada da metrópole, à procura de carniças que possam aumentar a intensidade de sua luz. Pedro Páramo é um romance de desilusões, de amores perdidos numa pátria despedaçada, onde os ideais se embolam com o feno e passam voando pelo deserto. Imagino a sensação de alguém que leu esse livro durante os anos de chumbo, assistindo impotente aos exílios, as partidas, as perdas, e a vontade de apagar tudo aquilo da memória.

À medida que os meses passam, e que a caixinha de arquivos aqui ao lado só faz crescer, sinto uma vontade incômoda de apagar todos os registros, de recomeçar do zero, de esquecer o Samuel do último post e rumar para outros mares. Quem sabe até mudar de hospedeiro. Esse espaço me fez perceber o péssimo inquilino que sou, construindo dívidas comigo mesmo, incapaz de escrever coisas que me interessam. Ou será só a localização do computador, aqui na sala, que bloqueia minha criatividade e minha capacidade de escrever coisas interessantes? Ultimamente tenho pensado muito em voltar ao lápis, comprar um caderno e rabiscar esses vastos pensamentos e suas emoções imperfeitas por lá, para descarregar um pouco essa masturbação mental. Mas não pretendo me desapegar de nada, muito menos apagar qualquer vestígio de imaturidade registrado aqui. Prefiro respeitar meus anos de juventude, deixando cada coisa como está. Nesse momento, me sinto como Juan Preciado, personagem do livro de Rulfo, que volta ao seu passado em busca de respostas, a fim de preencher lacunas que o tempo deixou incompletas em sua memória. O século XX expurgou seus demônios quando encontrou a psicanálise, e por isso não havia outra saída: Juan encontra em seu caminho milhares de perguntas e traumas, e é confrontado por todos eles, cada um mais incômodo que os outros. Talvez minha saída seja o divã. Ou um emprego de 12 horas. Ou uma namorada surda. Vez em quando leio os arquivos daqui, textos que escrevi três anos atrás, quando eu era muito menor que hoje, sem o bigode de trocador que finge ocupar meu buço, sem o pôster do Lennon na parede e sem um quarto para chamar de meu. E tirando as tentativas de pedantismo, de soar um cara que eu não sou, acabo até rindo de algumas coisas. De mim mesmo, na verdade, e dos projetos que tinha em mente. Agora eu sei: são só bobagens, meu filho, bobagens.

Prometi que maio seria o mês dos filmes, que voltaria a eles e procuraria então entender o motivo que tem cada vez mais me afastado deste espaço. Por enquanto, quem tem me ajudado a me livrar da tirania deste blog são os livros de parágrafos intermináveis. Lembro do Kafka, que, ao morrer, pediu a um amigo que queimasse seus escritos, por achar que eles não eram bons o suficientes para ver a luz do dia. Não que isso vá explicar alguma coisa, mas achei que valia a pena terminar com uma imagem bonita, poética. De atitude. Essa característica que descobri existir em mim há pouco tempo, encerrada no quarto dos fundos do peito, que me aproxima cada vez mais da minha essência, anjo torto envolto num embrulho de jornal cujo alcance está longe de se misturar com a carniça que os urubus elétricos caçam pelas margens da cidade. Pedro Páramo vaga pela Lapa de olhos abertos.

E sabe que, da próxima vez, o importante é fazer tudo diferente.



 


é isso aí, bicho

 

 


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