qualquer coisa
num verso intitulado mal secreto
 

2.7.09


[2:40 AM]

Deu na telha de ler umas peças do Nelson Rodrigues esses dias, já que não encontrava o sujeito desde que ganhei meio grau de miopia. Aproveitei o ócio da labuta e A Falecida acabou caindo no meu colo. O teatro na verdade nunca foi a minha, tenho uma certa dificuldade em acompanhar os bambas da dramaturgia estrangeira e acabo tentando uma aproximação através do que foi feito em terras brasileiras - cujo auge se dá na escrita do Nelson. Só li quatro das dezessete peças do cara, mas para além da temática recorrente em seu estilo, que descortina pudores e pisa com força em certos valores, me fascina a capacidade de tratar das mais sórdidas manifestações humanas com a sofisticação textual de um poeta. Um denominador qualquer não suportaria a carga de ousadia pungente que escorre de suas palavras.
É a estética do choque. Jardim elétrico.
A Falecida é um texto onde a violência aparece como força propulsora dos atos dos personagens, subjugando-os a uma crueldade que se torna necessária para que conquistem seu espaço no mundo. Só que a violência não aparece em seu estado bruto, físico, e sim retrabalhada, através de atos implícitos, de falas grosseiras, de pernas cabeludas e de uma teta arrancada. A vulgaridade dos personagens revela um instinto de autodefesa que se constrói por meio do ataque - a velha máxima do futebol. Num país de cínicos, ganha quem for mais desbocado.
É então que a tragédia se anuncia - o título já pressupõe a morte -, mas a intensidade do texto vem é da sujeira congênita ao colóquio, onde os estados mais impuros da natureza humana se transfiguram e mostram que gosto bom é gosto de boca. Do lixo, de ouro, de lata, mas boca. É também uma peça triste, culpada, repleta de demônios com poder de destruição capazes de isolar um homem em pleno Maracanã lotado. O diálogo que capta o espírito do texto e sintetiza o desejo íntimo de Nelson é demais:
PIMENTEL – Que é isso que você está chupando?
ZULMIRA – Drops.
PIMENTEL – Joga fora.
ZULMIRA - Por quê?
PIMENTEL – Porque eu vou te dar um beijo e quero sentir gosto de boca.
(solo de bateria)



 


é isso aí, bicho

 

 


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