Um gato preto. O plano é tão rápido e esquecível que quase passa despercebido aos olhos de muita gente, mas Louis Malle antecipa os infortúnios futuros de seu protagonista masculino ao filmá-lo fitando um gato preto na janela do apartamento, logo após assassinar seu patrão. Sabe-se que, após a troca de olhares, alguma coisa irá acontecer. Ascensor Para o Cadafalso apresenta diversos dispositivos que prefiguram a ação e moldam o destino das personagens: o já citado felino na janela, a corda esquecida na varanda, o revólver no porta-luvas do carro, a máquina fotográfica e as fotos acusatórias, responsáveis por selar o destino do casal de amantes.
São artifícios que Hitchcock usou para amarrar as peças de suas tramas e que Malle, como bom observador que era, tratou de reprocessar em seu mais famoso filme. Traição, assassinato, falsa acusação, objetos esclarecedores... Ascensor Para o Cadafalso deve muito ao cinema do gorducho inglês, confessa fonte de inspiração da rapaziada da Nouvelle Vague.
E ainda há Jeanne Moreau, filmada com uma intimidade que nenhum outro diretor jamais conseguiu captar, nem mesmo Truffaut. Sublinhada pela envolvente trilha de Miles Davis, Jeanne anda desolada pelas ruas de Paris fazendo da calçada uma passarela de nuvens feita especialmente para ela. Nunca esteve tão bonita.