[4:11 AM]
Como forma de alimentar essa minha mania barata de pensar as coisas através da comparação, me propus assistir em sequência dois filmes de diretores diferentes que tratam do mesmo tema: a desintegração do homem em função do alcoolismo. Para isso, convoquei Farrapo Humano, de Billy Wilder, e Vício Maldito, de Blake Edwards, com seu melancólico e chuvoso título original: Days of Wine and Roses.Billy Wilder era um sacana. Exímio roteirista, dos mais virtuosos que Hollywood já assistiu, o cara trafegou com a maior naturalidade por uma pá de gêneros e saiu imune e com uma obra-prima embaixo do braço a partir de cada um deles: o noir, a comédia, o drama, a guerra, o romance e aqueles que misturam vários desses elementos no mesmo balaio. Farrapo Humano aparece logo depois de Pacto de Sangue, filmaço que Wilder co-escreveu junto com Raymond Chandler, escritor a quem à época se atribuía um comportamento sorumbático e autodestrutivo em função da sua intimidade com a bebida. Alguns encaram Farrapo Humano como um retrato de Chandler sob a ótica de seu antigo companheiro de escrita.Ancorado num texto primoroso e recheado de monólogos perspicazes (“Shakespeare deve ser visto com o estômago vazio”), revelando o típico humor dos melhores bebuns, Wilder descortina um mundo de animosidade por trás do gole que puxa outro e termina derrotado no fundo do poço do balcão. O tom vai ficando mais pesado à medida que se aproxima do clímax, em que o ultimato é dado ao protagonista e o diretor, sem apelar para gratuidades ou lições bobas de moral, termina o filme no momento decisivo da vida de seu alcoólatra: quando este assume sua condição e se dispõe a mudar a rota dos acontecimentos que estão por vir. O primeiro passo foi dado, mas a inconclusão do desfecho deixa o filme em aberto e mostra com clareza a visão de Wilder sobre o tema. Já Blake Edwards vai mais fundo no tema ao narrar a desintegração familiar de um casal que começa unido bebendo socialmente e termina afogado (com trocadilho) em ruínas, ele em abstinência forçada e ela recusando-se a assumir seu vício. Embora os cortes temporais abruptos destoem ligeiramente da narrativa tipicamente convencional (em um momento vemos Joe amarrado numa clínica e na cena seguinte ele já está em casa, sóbrio), criando um certo desconforto em relação ao andamento do filme, Vício Maldito traz atuações amarguradas de Jack Lemmon e Lee Ramick e mostra que o caminho pautado pelo álcool às vezes pode ser irreversível. O belo plano final, em que Jack Lemmon observa sua indomada esposa ir embora sem aceitar o tratamento, é tristíssimo, de encher os olhos.
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