"Certa noite, faz uns vinte anos, durante um surto de caxumba em nossa imensa família, minha irmã caçula, Franny, foi transferida com berço e tudo para o quarto obviamente não contaminado que eu repartia com meu irmão mais velho, Seymour. Eu tinha quinze anos; Seymour, dezessete. Por volta das duas da madrugada, fui acordado pelo choro insistente da nova companheira de quarto. Continuei deitado por alguns minutos, sem me mexer, ouvindo o berreiro, até que escutei ou senti que Seymour se movia na cama ao lado. Naquela época, mantínhamos uma lanterna na mesinha-de-cabeceira entre os dois para alguma emergência que, tanto quanto me recordo, jamais ocorreu. Seymour acendeu-a e levantou da cama. 'Mamãe falou que a mamadeira está no fogão', avisei a ele. 'Já dei para ela agorinha mesmo', disse Seymour. 'Não está com fome.' Caminhou no escuro até a estante e varreu lentamente as prateleiras, para um lado e para o outro, com a luz da lanterna. Sentei-me na cama. 'O que é que você vai fazer?', perguntei. 'Acho que ler alguma coisa para ela', respondeu Seymour, pegando um livro. 'Ah, essa não', eu disse, 'ela tem dez meses!' 'Eu sei, mas os bebes têm ouvidos. Podem ouvir.'"
E quem mais quiser, também pode. Esse é o primeiro parágrafo de Carpinteiros, Levantem Bem Alto a Cumeeira & Seymour, Uma Apresentação, cuja transcrição é a homenagem deste singelo casebre ao homem que me manteve acordado durante várias madrugadas com suas confissões ficcionais e que ontem se retirou definitivamente para o conforto da posteridade, J. D. Salinger (1919-2009).