Um barato o novo show do Gilberto Gil registrado em DVD, o Bandadois, que usa um formato mais intimista, só voz e violões (Gil toca acompanhado do filho, Bem). O cenário é gélido, minimalista metálico e distante da plateia, sem calor, algo impessoal, e a voz do cara está cansada, não aguenta mais os decibéis extraordinários do falsete de Filhos de Gandhi, por exemplo. Quem se importa? Com sua habitual dose de carisma, basta entrar em cena para desmontar qualquer barreira que um terno preto impõe e transformar tudo em sorrisos e melodia. O repertório é aquela coisa, dá pra ir tranquilamente passar os dias de exílio na ilha de Santa Helena só ouvindo essas canções: Esotérico, Lamento Sertanejo (música de todos nós, Macabeus e Macabéas), Flora, Expresso 2222, O Rouxinol, Metáfora, uma linda interpretação a quatro mãos de Superhomem – a canção, A Linha e o Linho, Refavela, Pronto pra Preto, e uma belíssima, talvez a mais surpreendente do concerto, que permaneceu inédita até surgir agora na minha vida, depois de tanto tempo de toada, que se chama Das Duas, Uma. Descobrir uma canção é fazer um novo amigo, é ter a certeza de boa companhia para todo o resto da estrada, long and winding road, trazendo sílabas para o conforto do perto e do lado nos dias de ônibus ou numa andada pelo centro da cidade... e sempre. A letra fala sobre um amor que se inicia, ou que pretende se expandir através da confirmação da união através de um laço mais apertado - ao final, Gil dedica a música ao casamento da filha Maria. Confesso que não esperava que esse brilho de autêntica simplicidade poética ainda fosse capaz de jorrar da fonte do mestre, e foi preciso ouvi-la durante toda a madrugada para deixar de ser atrevido e nunca mais subestimar quem ainda me emociona.
Das duas, uma
Das duas, uma Ou será pluma Ou será pedra e pesará Se forem hábeis e sábios e sãos Serão amáveis e tempo terão Pra fazer da vida a dois Dois chumaços de algodão E os frágeis cristais Das aventuras Encontrarão proteção e, quem sabe, quebrarão jamais.
Se porventura A vida dura Lhes for madrasta e voraz Sejam capazes, audazes e bons Façam das pazes noturnos bombons E os percalços naturais Farão parte da canção Serão tropeços E recomeços Um a cada vez, cada mês E vocês se acostumarão