Fuller & Gil ou o fim da décadaSamuel Fuller, misterioso autor (
metteur para a
Nouvelle Vague dica para alguns caras da minha geração), ou matéria da Cahier e Godard (
Acossado) e sua homenagem em
Pierrot Le Fou, realmente impressiona em
Casa de Bambu. Óculos escuros, figura triste, para nós dir-se-ia gênio. Fuller in Godard: o cinema é um campo de batalha: a vida, o amor, o ódio, a violência, a morte. Línguas pretas (Sadoul inclusive) rezam ter Fuller feito (antes da década de 50) mediocridades fascistóides e racistas (!). Não raro, meras fitas de cinema influenciam meros cineastas, ou seja, a vanguarda industrial fica circunscrita a circunstâncias. Mas o cinema é meramente o cinema:
Casa de Bambu surpreende até mesmo como “visão” da “circunstância” japonesa pós-Hiroshima. Na violência, é um filme “japonês”. E Fuller já fez filmes com temas da China e do Japão. Em gruas ou
travellings (
House of Bamboo tem alguns antológicos), Fuller impõe-se como artesão ou designer, inovador ou antecipador do cinema moderno.
Casa de Bambu é mais Fuller do que
Paixões que Alucinam ou
Beijo Amargo: a perseguição e tiroteio no parque reverberam a nossa mentalidade.
Tudo é número: o amor é conhecimento do número. Linguagem crítica: Gilberto Gil, avançado demais para o país, canta Objeto semi-identificado. Superpõe sua voz falada enquanto “a música” é Hit Parade, bolacha preta de consumo maciço. Percepção de signos:
Week End de Godard começa com uma bacanal verbal, porque o consumismo europeu cansou a beleza do signo erótico-visual. Inovar, pode-se dizer, é fazer o que ninguém fez. Não raro, a genialidade irrita: o boçal condicionado pelo produto de supermercado torce o nariz ante as experiências de
Objeto de Rogério Duarte-Gil-Duprat. Por exemplo:
entre a palavra e o ato, desce a sombra, o objeto identificado, o encoberto, o disco voador, a semente astral. Duprat & seus arranjos, ou desarranjos, de Roberto Carlos, “Se você pensa”. Outro textículo & o cantor dá de coringa, divaga, experimenta, descobre: a cultura, a civilização, só me interessam enquanto sirvam de alimento, enquanto sarro, prato suculento, dica, INFORMAÇÃO. Brian Jones, dos Rolling Stones, estava sempre “muito louco”. Idéias: o prazer mental pode matar & isto não é uma advertência. A morte é a única liberdade, a única herança deixada pelo Deus desconhecido, o encoberto, o objeto semi-identificado, o desobjeto, o Deus-objeto.
Na Mitchel, que pode filmar 15 minutos sem interrupção, Godard filmou um travelling de 300 metros sobre trilho – o maior plano sequência da História do Cinema, cena de
Week End, obra caótica, o Fim do Cinema. Termidor. Chegaram ao fim da Idade Gramatical.
Jairo Ferreira, 25 de dezembro de 1969.