qualquer coisa
num verso intitulado mal secreto
 

3.3.10


[9:07 PM]

“As moças que sonham muito, que passam os dias deitadas preguiçosamente e lêem tudo o que lhes cai nas mãos, que ficam entediadas e tristes, em geral são relaxadas na maneira de se vestir. Àquelas a quem a natureza presenteou com bom gosto e instinto de beleza, esse leve relaxamento nas roupas confere um encanto especial. Pelo menos, ao se recordar mais tarde da graciosa Vérotchka, Ogniov não podia imaginá-la sem a blusa folgada que, ajustada na cintura em pregas profundas, ainda assim não tocava o seu corpo; nem sem a madeixa que caía sobre a testa, escapando dos cabelo levantados, e nem sem aquele xale tecido à mão, com pompons nas beiradas, que à noite, como uma bandeira num dia sem vento, pendia melancolicamente dos ombros da moça e que, durante o dia, ficava jogado no vestíbulo, junto das botas masculinas, ou sobre o baú da sala de jantar onde, sem nenhuma cerimônia, dormia o velho gato. Esse xale e as pregas da blusa transmitiam um ar de liberdade preguiçosa, de vida caseira, de bem-estar. É possível que, pelo fato de que Vera agradava a Ogniov, em cada botão seu, em cada babadinho, ele conseguia enxergar algo morno, aconchegante, ingênuo, algo bom e poético que falta às mulheres falsas, frias e sem sentimento de beleza.”

Escrito em fevereiro de 1887, cem anos antes de eu nascer, por Tchékhov, no conto “Vérotchka”, o trecho acima descreve com precisão o sentimento que as meninas de Montevideo despertaram em mim enquanto caminhava sem documento e sem dinheiro pelas frias ruas da capital uruguaia. É claro que as baixas temperaturas tornam tudo mais atraente, o corpo parece exigir um contato físico por contrato, e aí o cenário em que as pessoas dançam nas praças e cantam ao ar livre sem o menor embaraço só potencializa a paixão que o abismo de cada esquina daquela cidade parada no tempo acendeu nos meus olhos. Fui para lá com a cabeça mergulhada naquele velho samba, para ver as meninas e nada mais nos braços, assim, descontraído. Já estou de volta, sem até agora saber exatamente o porquê, enquanto Tchékhov sorri timidamente em algum lugar...



 


é isso aí, bicho

 

 


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