Uma palavrinha sobre alguns filmes do Russ Meyer exibidos na mostra que o CCBB dedica ao cara, um dos cineastas mais sacanas vindos da América do Norte. A intenção é atualizar este post diariamente até domingo, dia em que o ciclo se encerra, mas... vocês sabem como são as coisas.

Achado Não é Roubado ( Finders Keepers, Lovers Weepers!, 1968)
Os filmes de Russ Meyer são exercícios de estilo onde praticamente todas as suas obsessões servem a uma narrativa desbundada: mulheres peitudas, carros, violência, música e bebida são organizados de forma delirante, através planos rápidos (poucos ultrapassam os 5 segundos de duração), ângulos enviesados e diálogos recheados de deboche.
Achado Não é Roubado é uma deliciosa pequena obra, como várias do cineasta, que aponta as facilidades com as quais Meyer filmava: poucos cenários, quatro ou cinco atores, um bar e uma história de roubo que se entrelaça a um caso de infidelidade conjugal. As cenas de sexo e de dança no bordel são particularmente apetitosas.
Cabana do Amor (Common Law Cabin, 1967)
Uma sátira às promoções de quinta categoria prometidas por agências de viagem, onde você paga pouco para curtir dias de paraíso em um resort de luxo,
Cabana do Amor evidencia um aspecto marcante e pouco lembrado da obra de Meyer: o cuidado com os créditos iniciais. Neste caso, as atribuições técnicas dos envolvidos na filmagem são ressaltadas através de elementos próprios àquele ambiente, os nomes aparecem gravados na madeira que forra a cabana e no rótulo de uma cerveja do bar, entre outras sacações espertas. O filme começa como uma aventura ingênua, mas Meyer rapidamente saca as ambigüidades da história e conclui com um massacre sanguinolento e divertido, onde o assassino é morto por uma lancha desgovernada que invade a praia e corta sua cabeça ao meio. Melhor impossível.
Bom Dia... E Tchau, Tchau! (Good Morning... and Goodbye, 1967)
Primeiro filme em cores de Meyer, a história gira em torno de um fazendeiro ricaço e impotente que não consegue segurar sua fogosa esposa em casa e é constantemente humilhado por suas falhas sexuais. Meyer defende o sexo acima de todas as coisas (ao final, o narrador chega a dizer “cuidado com essa palavrinha de quatro letras, que traz a reboque todas as outras”), mesmo em casos de relacionamento fora do casamento ou com menores de idade. A introdução, pautada por um discurso anárquico e despojado, marca registrada dos filmes do cineasta, vangloria o corpo humano e faz uma ode à saliência física feminina, enquanto uma trilha frenética embala o vôo terreno de um carro por uma estrada do interior. Há ainda cenas hilárias envolvendo uma amazona misteriosa, pandora do fogo da vida, supostamente a inventora do Viagra.
Cherry, Harry & Raquel! (idem, 1970)
Escrito em parceria com um Tom Wolfe que não é um dos papas do Novo Jornalismo, este filme usa as planícies áridas do meio-oeste americano para Meyer se aventurar pelo western, um gênero que ele adaptou ao seu estilo de filmar em um filme morno, pouco inventivo e sem o esmero irônico nos diálogos predominate em suas outras produções. Mesmo iniciado com um discurso anti-drogas, alertando para os perigos da maconha na sociedade, não demora para que duas enfermeiras deliciosas saquem um maço de baseados e se envolvam amorosamente após uma viagem sob efeito da
cannabis. Algumas cenas de ação merecem destaque, mas é o mais fraco dos dois filmes que Meyer faria no ano de 1970.
Além do Vale das Bonecas (Beyond the Valley of the Dolls, 1970)
Este sim, um clássico da contracultura, prato cheio para quem curte psicodelia made in 60’s, rock’n’roll, drogas, sexo e situações absurdas. Escrito em parceria com o hoje famoso crítico Roger Ebert, foi financiado com um orçamento generoso pelos estúdios Fox (o outro único filme de Meyer por uma grande companhia,
Seven Minutes, não foi selecionado para a mostra) e pretendia ser uma continuação do sucesso juvenil de três anos antes,
O Vale das Bonecas. Porém, Meyer subverteu todas as diretrizes do predecessor e resolveu desrespeitar o comando e criar um roteiro totalmente original, uma fábula animalesca sobre o mundo do show business na costa oeste americana do final dos anos sessenta. Uma curiosidade mórbida acompanha o filme: o terceiro ato da narrativa é marcado por um massacre cruel coordenado por um lunático que se auto-proclama Mulher Maravilha, que mata violentamente, decepando cabeças e crispando corpos de bala, vários dos que cruzam seu caminho.
O Vale das Bonecas, filme que deveria inspirar a obra lisérgica de Meyer, é protagonizado por Sharon Tate, ex-esposa do cineasta Roman Polanski, cruelmente assassinada a facadas pelo bando de Charles Manson pouco tempo antes do lançamento de
Além do Vale das Bonecas. Um clássico e sombrio exemplo de quando a vida imita a arte.