qualquer coisa
num verso intitulado mal secreto
 

27.9.10


[1:24 PM]

Ao escrever sua primeira crônica sobre o então jovem Pelé, em 1958, Nelson Rodrigues disse custar a crer que alguém possa ter dezessete anos. “Aberrante e inverossímil”, sentenciou o dramaturgo, ao classificar a idade daquele que um dia seria Rei. Tomando emprestado o sofisma, não é difícil adaptar para a temática do cinema brasileiro o significado da frase de Nelson. Salvo raras e esporádicas exceções, o jovem dessa faixa etária enfrentava uma insistente onda de esquecimento que finalmente parece ter estourado na praia.

Com Os famosos e os duendes da morte e principalmente As melhores coisas do mundo, descortinou-se para nossos cineastas contemporâneos uma paleta de cores juvenis rica em potencialidades e pronta a ser explorada em suas diversas possibilidades. Não que tais filmes sejam representativos de um movimento, nem que tencionem estabelecer um parâmetro de abordagem ou uma posição como força propulsora. São filmes que se norteiam pelo desejo de registrar convulsões internas características de um tempo e contexto. O adolescente e seu universo de dúvidas e inquietações, injustamente marginalizado no cenário audiovisual nacional, ganha mais um representante com Antes que o mundo acabe, primeiro filme da diretora Ana Luiza Azevedo.

Injustamente porque se trata de um período extremamente experimental e excitante da idade de qualquer pessoa, e basta lembrar de Paranoid Park e Os Incompreendidos para saber que desse gênero já saíram grandes filmes do cinema moderno. E não, não é necessário ser um Truffaut da vida para alcançar tal feito: Sandra Kogut é um exemplo que se adequa a essa colocação com seu Mutum, uma pequena grande obra de qualidades bem aproveitadas dentro desse círculo de filmes.

Antes que o mundo acabe gira em torno de Daniel, um jovem que vive numa cidade do interior do Rio Grande do Sul e cujas indecisões e turbulências são divididas entre seus amigos e sua família. O roteiro, concebido a oito mãos por Paulo Halm, Ana Luiza Azevedo, Jorge Furtado e Giba Assis Brasil, explora as ambigüidades dos jovens através da ênfase que assegura às situações típicas vividas nessa fase. Daniel se apaixona por uma garota que o troca por seu melhor amigo, a questão da formação ética aparece através de uma história de roubo mal contada, o conflito de gerações com os adultos envolve toda a trama e a chegada de um pai que sempre esteve distante e de repente se anuncia presente servem de fio condutor para o mergulho nas particularidades de um ciclo social de transição.

Ana Luiza lida de forma bastante satisfatória com as arestas do roteiro e encontra soluções visuais interessantes para retratar o mundo vibrante e colorido dos jovens, e a direção de arte é fundamental em seu objetivo de nos tornar íntimos daquele ambiente de charme convidativo e contagiante. Pena que o roteiro se mostre desinteressado no desassossego interior dos personagens, estando mais preocupado em radiografar as dificuldades de tônica universal pelas quais todo jovem é submetido do que desenvolver uma relação direta de afeto e compreensão com os meninos que aparecem na tela. É como se, lá no fundo, a voz estridente de Nelson Rodrigues ainda encontrasse ressonância e tentasse nos convencer de sua veracidade opaca.

Muitos passamos por aqueles momentos, sabemos como é dilacerante não ser correspondido no amor aos 16 anos e a pequenez das tragédias gregas diante de um fracasso sentimental (bobagens, meu filho, bobagens). Mas há uma incômoda gota de superficialidade na construção dos jovens, como se apenas o arquétipo bastasse, que acaba por extrair da narrativa a força que um mergulho mais fundo poderia possibilitar. Em compensação, há uma pulsação na forma como Ana Luiza se volta para o olhar subjetivo do jovem Daniel, perdido entre o presente insatisfatório e o futuro indefinido, borrado pelos primeiros contatos com o pai e com a descoberta de novas sensações, que sustentam o interesse na história. Dos erros e acertos vem o amadurecimento, e é só através da experiência - e aqui entram tanto Daniel e o cinema sobre jovens feito no Brasil -, que se alcança a confiança e a integridade.



 


é isso aí, bicho

 

 


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