qualquer coisa
num verso intitulado mal secreto
 

26.8.10


[2:23 AM]


Em um dos duelos que acontecem ao final de O Dia da Desforra, de Sergio Sollima, como que para dar ênfase trágica à onda de violência que dizimará vários homens, o maestro Ennio Morricone mostra uma parcela de sua genialidade ao fundir Für Elise, clássico tema de Beethoven, com o lamento de um violão espanhol e a suntuosidade de uma orquestra fúnebre. Nada mal morrer ao som de Morricone, não?



Os ouvidos mais atentos sacarão que esta peça aparece também no momento de maior tensão de Bastardos Inglórios, mais especificamente na primeira sequência, passada na cabana do camponês que esconde judeus sob o assoalho. Movimentos suaves de câmera, o riso nervoso de Christoph Waltz, suor e ameaça. Você receberia um rato na sua casa com um copo desse maravilhoso leite?

Tarantino não é nada bobo. Bebeu direto na fonte dos bons. O Dia da Desforra é estrelado por Lee Van Cleef, interpretando um caçador de recompensas que vai à procura do homem que supostamente estuprou e matou uma menina de 12 anos. Uma das características principais dos faroestes spaghetti é o humor, que ora carrega traços de ingenuidade (vide Viva Django!, com a clássica metralhadora cartunesca e o personagem bonachão que ajuda o herói no desfecho), ora acontece através de tiradas irônicas e até agressivas (“Vocês atiram bem... nos mortos”, frase de Franco Nero em Keoma, e vários diálogos de Sergio Leone). Em O Dia da Desforra é Tomas Milian, o assassino procurado por todo o México, o alívio cômico que garante uma certa suavidade de espírito ao clima violento que lentamente vai corrompendo o cenário e até mesmo a personalidade moralmente correta de Lee Van Cleef. Filmaço. Milian está ótimo em seu papel, cínico e debochado na maior parte do tempo, mas preciso no equilíbrio entre tais momentos e a seriedade que também compõe a faceta ambígua de seu personagem.

A mostra de faroeste spaghetti em cartaz no CCBB está espetacular, só não vai quem já morreu. E isso porque ainda não tive a oportunidade de rever nenhum do Leone (a primeira sessão esgotou antes mesmo das senhas começarem a ser distribuídas), mas tive notícias de que a cópia de Era Uma Vez no Oeste está um assombro, à altura do filme. Contagem regressiva, então.



 


é isso aí, bicho

 

24.8.10


[2:04 AM]



Dizem que o que distingue os homens dos animais é a capacidade de criação, o resultado de um laborioso processo de invenção que resulta em uma obra de arte, independente de sua qualidade. Da mesma forma que a produção artística eleva o indivíduo, a interpretação dos objetos criados por ele garante um certo conforto àqueles incapazes de desenhar um mísero boneco de palito ou que não conseguem escrever nem mesmo uma singela lista de supermercado. Estar diante de um objeto artístico de primeira grandeza faz com que eu minimize minhas imperfeições, esquecendo por um momento os desatinos da coceira de insatisfação no canto esquerdo do cérebro que parece não ter fim. A arte perturba os satisfeitos e satisfaz os perturbados, já dizia o outro. É a mais autêntica das verdades. Acontece com a música. Acontece com certas pinturas. Acontece nos filmes, na vida e na TNT.

E agora aconteceu com a literatura, mais uma vez. Com os livros é sempre melhor, mais intenso, pois a exigência física e intelectual que a imersão nas páginas de um livro demanda é superior aos esforços requeridos pelas outras artes, no meu caso. O Coração é Um Caçador Solitário, romance que a escritora norte-americana Carson McCullers, a feiosinha que ri de nós aí em cima, publicou em 1940, tirou o chão dos meus pés quando alcancei o ponto final da travessia. Sintomas básicos: taquicardia, náusea, confusão mental, propensão ao fluxo desconexo de palavras e um espanto que só a fisionomia humana é capaz de conceber. Foi assim que me senti, completamente estupefato; o que é até irônico, já que a prosa de Carson evita excessos e tons grandiloqüentes, soando mínima, quase tímida, mas extremamente forte e precisa.
O livro faz um painel de uma cidadezinha no extremo sul dos Estados Unidos no final da década de 30. Os ingredientes são conhecidos: feridas não-cicatrizadas abertas pela Grande Depressão, atraso econômico, desigualdade, miséria e a brutalidade corrosiva do racismo. Sobre todos esses pontos, paira o satélite azul e silencioso da solidão. A descrição da cidade, logo nas primeiras linhas, é essa:
“A cidade ficava no meio do Extremo Sul. Os verões eram longos e os meses de inverno frio muito poucos. Quase sempre o céu se mostrava de um azul límpido e brilhante, e o sol ardia com louca intensidade. Em seguida vinha as chuvas leves e frias de novembro, e talvez depois houvesse geada e alguns curtos meses de frio. Os invernos mudavam, mas os verões nunca deixavam de trazer um calor crescente. A cidade era bastante grande. Na rua principal, havia várias quadras de lojas e escritórios de dois e três andares. Mas os maiores prédios eram as fábricas, que empregavam grande porcentagem da população. Essas fábricas têxteis eram grandes e prósperas, e a maioria dos operários da cidade muito pobre. Muitas vezes, nos rostos que se viam pelas ruas, notava-se aquela desesperada aparência de fome e solidão.”
Personagens banais, marcados por pequenas agressões cotidianas que deformam suas personalidades, seja através do sexo sem sentimento que apaga a chama interior de dois jovens, ou do amor não correspondido de um surdo-mudo pelo amigo, que acaba derrubando-o física e moralmente. São pessoas comuns, com ambições que não vão além de um piano ou uma vida mais confortável, que não se desnudam em monólogos inspirados ou frases de efeito, mas que encontram o canto uníssono quando se perdem na mesma névoa de angústia e isolamento que encobre a cidade. Mas Carson não tem pena de nenhum deles – a vida é assim. Ela é assim. Mick Kelly, a garotinha apaixonada por música que larga a escola e adentra a vida adulta antes mesmo de crescer para ajudar nas contas da casa, é seu espelho fixado na parede, torto e rachado nos cantos. O senso de humanidade presente na escrita quente e acolhedora da autora transborda pelas páginas, compondo um complexo painel de uma sociedade devastada em seus conceitos retrógrados.
Há uma extensa discussão sobre a questão racial durante o livro, assim como a situação de operários massacrados por seus patrões encontra eco em Jake Blount, um alcoólatra que acredita saber a verdade, mas não possui meios de propagá-la aos demais. Em certo momento, ele diz: "Um homem sabe. Vê todo um maldito exército de desempregados e bilhões de dólares e milhares de quilômetros de terra desperdiçados. Vê a guerra se aproximando. Vê que, quando as pessoas sofrem o bastante, se tornam más e desagradáveis, e alguma coisa morre dentro delas. Mas o principal é que todo o sistema mundial está assentado sobre uma mentira. E embora seja clara como o sol brilhante, os bocós têm vivido com essa mentira por tanto tempo que não podem vê-la." Um impressionante confronto verbal entre Jake e um médico negro, idealista fanático, ambos defendendo a mesma causa, porém através de dispositivos distintos, define os caminhos trilhados pelos dois durante o livro. Dura umas 10 páginas, e é tão desgastante que o fôlego chega a faltar na sombria conclusão do debate, maculada por ofensas que terminam com o golpe final dado pelo médico: “Branco... Demônio.”
Cada capítulo é desenvolvido sob o ponto de vista de um personagem diferente, e todas as vozes que compõem a narrativa, repleta de sutilezas e momentos impactantes, imprimem um ritmo ágil à linguagem objetiva de Carson, que concluiu o romance com 22 anos de idade e morreu aos 50, em 1967, após enfrentar diversas doenças, o suicídio do marido e a paralisia do lado esquerdo de seu corpo. Para escrever, Carson utilizava apenas um dedo e só podia fazê-lo deitada, sob forte incômodo. Pode ser que a dor física inerente à sua escrita esteja ligada ao humanismo com o qual retratou personagens ambíguos e incompreendidos, perdidos em uma sociedade marcada pela brutalidade e pela intolerância.
Por enquanto, estou incapacitado de me aproximar de qualquer outro livro. O Coração é Um Caçador Solitário me apresentou a uma cidade antes desconhecida e agora estou preso nela, vagando como um esquecido andarilho por ruas tristes e ameaçadoras, cujo ar é impregnado de violência e opressão. Atingi o pináculo espiritual durante as 316 páginas percorridas, experimentei aquele momento em que um sentimento de completude cai sobre nós, a iluminação metafísica que alguns encontram na religião e outros nas drogas, onde pude conviver e partilhar a intimidade de pessoas que sequer existem. A recompensa não tem tamanho, é muito mais extensa que qualquer coisa que se escreva aqui, mas a sensação posterior chama a perda, traz a inquietação, é a hora em que a realidade esmurra com força, a hora em que volto a ser algo que não sei o que é.



 


é isso aí, bicho

 

20.8.10


[10:20 PM]

“Não, o que aconteceu não foi nada que tivesse sido concebido previamente; tomou meramente a forma da luz do amanhecer contra o barro branco da parede ao meu lado e teve um efeito extraordinário, pois imediatamente comecei a vivenciar a sensação em minhas gengivas alertando para algo fascinante, e junto com isso um sentimento apertado ou doloroso em meu peito. Quem é alérgico a penas ou a pólen sabe do que estou falando, pois detecta sua presença com a maior sutileza. Em meu caso a causa, naquela manhã, era a cor da parede com o sol nascente batendo nela, e quando essa cor se tornou mais profunda tive que largar o inhame que estava comendo e me apoiar no chão com as duas mãos, pois senti o mundo oscilar embaixo de mim. Se estivesse montado num cavalo, teria me agarrado na alça da sela. Uma poderosa magnificência não humana, em outras palavras, parecia estar sob mim. E era aquela própria cor suavemente rosada, como a água de uma melancia, que produzia aquilo. Reconheci de imediato a importância da coisa, assim como ao longo da vida tinha reconhecido esses momentos em que o mundo começa a falar, em que ouço vozes dos objetos e das cores; então o universo físico começa a ondear, a mudar, a arfar, a inchar, a se aplainar, de modo que parece que até os cães precisam se apoiar numa árvore, estremecendo. Assim, naquela parede branca com suas puas, como uma pele eriçada por furúnculos, incidia a luz rósea, e era semelhante a voar sobre pontos brancos do mar a três mil metros de altitude quando o sol começa a nascer. Fazia pelo menos cinqüenta anos que eu tinha visto uma cor como aquela, e julgava ser capaz de lembrar de mim mesmo, menino pequeno, despertando sozinho numa cama de casal, uma cama preta, e olhando para o teto onde havia um alto relevo oval de gesso no estilo de antigamente, com peras, violinos, feixes de trigo e rostos de anjos; e em direção ao exterior, uma veneziana branca, de quase quatro metros de largura, banhada pela mesma luz rósea.”

Henderson, o Rei da Chuva. Saul Bellow, 1958.

A mesma luz roséa que iluminou meu quarto no dia das crianças de 1996, aos nove anos de idade, quando acordei ansioso no meio da tarde e encontrei o vinil de “O Samba Poconé”, do Skank, até onde me lembro meu primeiro disco, sobre o exaustor que ficava ao lado da cama. Skank, né, meio queimação. Fazer o quê, se meu pretério é imperfeito? A sina me acompanha até hoje, volta e meia me comparam ao Samuel Rosa na rua, nas festas e nos botecos. A última foi uma menina que parou à minha frente e começou a cantar Três Lados desafinadamente, para depois desabar numa crise de riso. Não ligo. O Samuel é gente finíssima, cruzeirense roxo, só pelo nome dá pra sacar a energia boa que o cara emana. Ouvi o elepê até arranhar, hoje não o tenho mais. Mas me lembro sempre da suave luz rosada que banhou o quarto naquele dia, e quando li esse trecho no livro de Saul Bellow, autor que me foi recomendado pelo mestre Grijó, quis pagar umas cervejas ao homem em agradecimento por saber derramar em palavras uma sensação que eu sempre tive guardada comigo e nunca expus a ninguém. Descobri então que não era inédita (alguma será?), mas não ligo mesmo para exclusividades, o egoísmo dá a volta quando me vê, por isso senti um imenso alívio ao saber que em algum lugar perdido da África aquela mesma luz, antes tão minha, resplandeceu e iluminou a jornada de autoconhecimento de um homem desorientado. Mesmo que só na ficção.



 


é isso aí, bicho

 

18.8.10


[2:46 PM]

Uma das principais coqueluches entre os roteiristas da atualidade é retratar as diversas variáveis sociais contemporâneas através de um roteiro fragmentado. Lançam-se várias peças aparentemente desconexas ao longo da narrativa para ao final compor um só quebra-cabeça, que pretende se revelar, por meio de suas camadas, como um recorte específico de um mesmo contexto temporal. É uma tentativa arriscada, e poucos são os que driblam as dificuldades de conexão e conseguem sair vitoriosos da empreitada. Para o talento artesão de cada Robert Altman, temos os remendos malfeitos de vinte Alejandro González Iñarritu, uma equação nociva à saúde de qualquer espectador.

Estreando na direção de longas-metragens, o ator Marco Ricca resolveu adaptar para o cinema o romance do escritor Marçal Aquino intitulado Cabeça a Prêmio, que possui uma estrutura recortada, numa mesma linha narrativa sobre a qual convergem histórias distintas. Um projeto ousado? Do ponto de vista do roteiro, sim. Até pela inexperiência de Ricca por trás das câmeras, as chances de esbarrar na superficialidade forçada amarrando situações de forma genérica era grande, mas, surpreendentemente, o agora cineasta contorna os desafios da montagem e fortalece seu filme através da coesão com a qual ele é engendrado.

A trama gira em torno de uma família de fazendeiros do Mato Grosso do Sul que se envolve com atividades ilícitas na fronteira com o Paraguai, desencadeando uma série de acontecimentos que mudarão o curso da vida dos envolvidos. É um drama de desilusões em uma região onde quase tudo é permitido, em que o trânsito de pessoas e mercadorias revela a instabilidade de um microcosmo e a incapacidade de lidar com o equilíbrio emocional. Todos os personagens possuem um rompante de fúria ou desespero, e a edição organiza os sucessivos descontroles que ali acontecem de forma a respeitar tanto a construção do próprio personagem como a posição do espectador diante deles.

O cenário é de uma beleza desoladora, a câmera explora as vastas planícies inabitadas e silenciosas do Pantanal sem apelar para imediatismos, construindo uma linha de tempo que passa ao largo do julgamento moral e se estabelece por meio de contrastes, tanto psicológicos quanto geográficos, mas sempre de maneira sóbria, sem os tiques histriônicos e deslumbrados que marcaram as estréias na direção dos também atores Selton Mello e Matheus Nachtergaele. É um filme essencialmente de personagens, e a ponderação no desenvolvimento das particularidades de cada núcleo, alheia a arroubos estéticos e invencionices desnecessárias, garante um tom solene à narrativa que permite a evidência de suas principais qualidades.

Através de uma aproximação sutil, mérito tanto do roteiro de Ricca, escrito em parceria com Felipe Braga, quanto da engenhosa montagem de Manga Campion, a desintegração lenta e gradual de uma família se enlaça ao cotidiano de dois matadores de aluguel e de um ambicioso jovem piloto paraguaio. Há um esmero muito particular na elaboração dos personagens, sem pressa, respeitando as nuances de comportamento próprias a cada um e criando personalidades verossímeis, longe de soarem como fantoches humanos a serviço de um discurso sociológico. A Marco Ricca não interessa divagar sobre questões inerentes à modernidade, cuja estrutura fragmentada do texto possibilita; sua pretensão termina na composição de um ambiente onde a harmonia é desatada por uma onda de violência, conseqüência direta das ações dos envolvidos no jogo.

Dotado de uma segurança que impressiona em se tratando de um cineasta estreante, Cabeça a Prêmio, o filme, é a carta de intenções de uma direção pulsante, que se ampara na força do texto e na consistência da montagem para compor um mosaico de personalidades que se chocam a todo instante, desencontradas e insatisfeitas, buscando na fronteira do Brasil uma afirmação para suas identidades. Com este filme, Marco Ricca entra na galeria de cineastas brasileiros pela porta da frente. Que seja bem-vindo.


Cabeça a Prêmio (Marco Ricca, 2009)

Texto a ser publicado no Laboratório Pop hoje à noite. Enquanto posso, subverto a lógica da prioridade. É um exercício divertido.



 


é isso aí, bicho

 

13.8.10


[3:10 AM]

Uma palavrinha sobre alguns filmes do Russ Meyer exibidos na mostra que o CCBB dedica ao cara, um dos cineastas mais sacanas vindos da América do Norte. A intenção é atualizar este post diariamente até domingo, dia em que o ciclo se encerra, mas... vocês sabem como são as coisas.


Achado Não é Roubado
( Finders Keepers, Lovers Weepers!, 1968)
Os filmes de Russ Meyer são exercícios de estilo onde praticamente todas as suas obsessões servem a uma narrativa desbundada: mulheres peitudas, carros, violência, música e bebida são organizados de forma delirante, através planos rápidos (poucos ultrapassam os 5 segundos de duração), ângulos enviesados e diálogos recheados de deboche. Achado Não é Roubado é uma deliciosa pequena obra, como várias do cineasta, que aponta as facilidades com as quais Meyer filmava: poucos cenários, quatro ou cinco atores, um bar e uma história de roubo que se entrelaça a um caso de infidelidade conjugal. As cenas de sexo e de dança no bordel são particularmente apetitosas.

Cabana do Amor (Common Law Cabin, 1967)
Uma sátira às promoções de quinta categoria prometidas por agências de viagem, onde você paga pouco para curtir dias de paraíso em um resort de luxo, Cabana do Amor evidencia um aspecto marcante e pouco lembrado da obra de Meyer: o cuidado com os créditos iniciais. Neste caso, as atribuições técnicas dos envolvidos na filmagem são ressaltadas através de elementos próprios àquele ambiente, os nomes aparecem gravados na madeira que forra a cabana e no rótulo de uma cerveja do bar, entre outras sacações espertas. O filme começa como uma aventura ingênua, mas Meyer rapidamente saca as ambigüidades da história e conclui com um massacre sanguinolento e divertido, onde o assassino é morto por uma lancha desgovernada que invade a praia e corta sua cabeça ao meio. Melhor impossível.

Bom Dia... E Tchau, Tchau! (Good Morning... and Goodbye, 1967)
Primeiro filme em cores de Meyer, a história gira em torno de um fazendeiro ricaço e impotente que não consegue segurar sua fogosa esposa em casa e é constantemente humilhado por suas falhas sexuais. Meyer defende o sexo acima de todas as coisas (ao final, o narrador chega a dizer “cuidado com essa palavrinha de quatro letras, que traz a reboque todas as outras”), mesmo em casos de relacionamento fora do casamento ou com menores de idade. A introdução, pautada por um discurso anárquico e despojado, marca registrada dos filmes do cineasta, vangloria o corpo humano e faz uma ode à saliência física feminina, enquanto uma trilha frenética embala o vôo terreno de um carro por uma estrada do interior. Há ainda cenas hilárias envolvendo uma amazona misteriosa, pandora do fogo da vida, supostamente a inventora do Viagra.

Cherry, Harry & Raquel! (idem, 1970)
Escrito em parceria com um Tom Wolfe que não é um dos papas do Novo Jornalismo, este filme usa as planícies áridas do meio-oeste americano para Meyer se aventurar pelo western, um gênero que ele adaptou ao seu estilo de filmar em um filme morno, pouco inventivo e sem o esmero irônico nos diálogos predominate em suas outras produções. Mesmo iniciado com um discurso anti-drogas, alertando para os perigos da maconha na sociedade, não demora para que duas enfermeiras deliciosas saquem um maço de baseados e se envolvam amorosamente após uma viagem sob efeito da cannabis. Algumas cenas de ação merecem destaque, mas é o mais fraco dos dois filmes que Meyer faria no ano de 1970.

Além do Vale das Bonecas (Beyond the Valley of the Dolls, 1970)
Este sim, um clássico da contracultura, prato cheio para quem curte psicodelia made in 60’s, rock’n’roll, drogas, sexo e situações absurdas. Escrito em parceria com o hoje famoso crítico Roger Ebert, foi financiado com um orçamento generoso pelos estúdios Fox (o outro único filme de Meyer por uma grande companhia, Seven Minutes, não foi selecionado para a mostra) e pretendia ser uma continuação do sucesso juvenil de três anos antes, O Vale das Bonecas. Porém, Meyer subverteu todas as diretrizes do predecessor e resolveu desrespeitar o comando e criar um roteiro totalmente original, uma fábula animalesca sobre o mundo do show business na costa oeste americana do final dos anos sessenta. Uma curiosidade mórbida acompanha o filme: o terceiro ato da narrativa é marcado por um massacre cruel coordenado por um lunático que se auto-proclama Mulher Maravilha, que mata violentamente, decepando cabeças e crispando corpos de bala, vários dos que cruzam seu caminho. O Vale das Bonecas, filme que deveria inspirar a obra lisérgica de Meyer, é protagonizado por Sharon Tate, ex-esposa do cineasta Roman Polanski, cruelmente assassinada a facadas pelo bando de Charles Manson pouco tempo antes do lançamento de Além do Vale das Bonecas. Um clássico e sombrio exemplo de quando a vida imita a arte.



 


é isso aí, bicho

 

2.8.10


[11:24 PM]



Neil Young, 1974



 


é isso aí, bicho

 

 


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