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Certa vez contei a uma amiga os meus planos de escrever um roteiro sobre a história de uma mulher que, insatisfeita com as constantes decepções vividas no dia-a-dia, resolve devolver para o mundo através de ações pequenas as pancadas que recebeu durante toda a vida. Ela me questionou: “Mas qual a motivação dela? Você precisa ser mais claro”. Não lembro exatamente o que eu respondi, mas foi algo em torno de “mistério sempre há de pintar por aí”. Que é meu lema, aliás. Não senti necessidade, ao delinear as formas daquele texto na minha cabeça, de explicar quais seriam (e se de fato existiam) as razões para o enlouquecimento lento e gradual daquela mulher. Todas as mulheres vivem sob influência, e não precisa ser ginecologista ou uma delas para saber disso. Basta ligar em um daqueles dias errados por natureza.Lembrei disso enquanto assistia Cada Um Vive Como Quer, filme de 1970 dirigido por Bob Rafelson. Nele, Jack Nicholson é um operário que sofre de insatisfação crônica, talvez pela relação conturbada com a família, ou pelo vazio que toma conta de seu relacionamento com uma garçonete sem ambições, ou por viver sempre à margem, desajustado, tentando se realocar em algum lugar e falhando sempre. Durante todo o filme, em nenhum momento vemos o local onde o personagem de Nicholson mora. O movimento é sua reza, o único lugar onde ele encontra tranqüilidade de espírito e acalma sua consciência. Tanto o movimento das estradas, dos carros, dos corpos, quanto o movimento da música. Por isso ele está sempre em fuga.É interessante notar como uma composição tão complexa encontrou nas múltiplas variações expressivas de Jack Nicholson seu interlocutor ideal. Como caracterizar um personagem que não se sente à vontade com ninguém, em lugar algum, e mesmo assim transmite uma energia tão potente sobre o ambiente ao seu redor que acaba nos aproximando de uma compreensão que nem mesmo ele conhece?O mesmo Jack, em Passageiro Profissão: Repórter, de Antonioni, invalida sua existência e assume o lugar de outro homem com o intuito, assim imaginamos, de começar uma nova vida. Mas por quê? O que o leva a fazer isso? Não é preciso explicar.O mistério das coisas é o que mantém elas vivas.
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