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- Elizabeth Taylor está morta. Lembro do mecânico de Crash, livro de J. G. Ballard, cujo sonho era morrer numa colisão com o carro que a atriz ocupava. Cair nos braços de Liz era um sonho permitido a muitos que cresceram acompanhando os desenlaces de sua movimentada vida através das lentes de Hollywood. Quando jovem era linda, mas nunca esteve entre as prediletas da casa. Talvez em O Pecado de Todos Nós, de John Huston, onde vive a vulgar esposa do militar interpretado por Marlon Brando, tenha se aproximado um pouco. O filme não resolve uma série de questões e termina por ser bem problemático (o desfecho, com a câmera histérica, apenas confirma a má impressão), mas é saboroso vê-la catando amoras antes de trair o marido ou provocando Brando enquanto tira a roupa no meio da sala. - Em Cópia Fiel, Abbas Kiarostami cria performances com os corpos de seus dois atores. Questiona a representação, coloca fogo nos originais e compõe os planos mais lindos de Juliette Binoche desde... Horas de Verão? Por aí. O primeiro filme no exílio do cineasta iraniano segue a tônica de seus anteriores em relação a encenação: tudo é simples, direto, sem excessos. Mas, como lembra o personagem masculino em determinado momento, não há nada simples em ser simples. Kiarostami desenvolve um jogo cênico que começa com uma provocação e vai caminhando sutilmente em direção a uma incorporação do casal acerca das questões levantadas no início da narrativa. Eles passam a viver aquilo. Uma construção menos equilibrada não seria capaz de dar conta de forma convincente dos pontos levantados pela dualidade de posições, mas o roteiro é amarrado com tanta habilidade que nos conduz a um instigante jogo de ideias onde até o silêncio carrega sua parcela de inquietação. - Voltando a Marlon Brando, não concordo com os que dizem que sua melhor interpretação está em Uma Rua Chamada Pecado, aquele filme que poderia ser sobre a Farme de Amoedo. O mesmo Elia Kazan havia arrancado do cara, em Sindicato de Ladrões, uma atuação mais pontual, precisa, explorando suas potências de acordo com as necessidades da cena. Em Uma Rua... Brando sobe o tom em vários momentos, explodindo numa implacável e exagerada fúria que acaba por evidenciar as pretensões teatrais do texto de Tennessee Williams e tornar seu personagem levemente afetado. Não deixa de ser espetacular, claro, mesmo nos momentos em que poderia segurar a onda de violência que o opõe à personagem de Vivien Leigh (também um degrau acima), mas penso que uma singela jarra de suco de maracujá teria transformado as atuações do filme em definitivas, mesmo já estando eternizadas. - Uma visita aos dois principais filmes dirigidos por John Frankenheimer na década de sessenta é suficiente para comprovar que não há - pelo menos eu desconheço - atestado moral mais sombrio da sociedade norte-americana do período do que o visto em O Segundo Rosto e Sob o Domínio do Mal. Dois petardos cinematográficos poderosíssimos. O primeiro vi ano passado, assim que lançado pela Lume, e é praticamente a história do Mr. Jones de Ballad of a Thin Man, canção do Dylan, que sente algo acontecendo mas não sabe definir o que é. O vislumbre de liberdade da costa oeste logo se desnuda num dos mais aterrorizantes dramas psicológicos já filmados. O segundo, protagonizado por Frank Sinatra e Janet Leigh, confirma a desesperança do cineasta com as instituições de seu país e mostra uma sociedade onde ninguém é confiável e qualquer movimento traz o perigo consigo. Ambos com desfechos pessimistas e corajosos, mostram um país se corroendo por dentro enquanto seus habitantes agonizam em corredores escuros e planos fechados. - Perdi as sessões de Metrópolis no Municipal com orquestra por puro vacilo. Não ouvi uma reclamação sequer, só elogios. Louis Lumière, citado em O Desprezo, dizia que o cinema é uma arte sem futuro. A julgar pelo que me disseram a respeito da qualidade dessas exibições, creio que um dos possíveis futuros do cinema está no passado (e não no 3D).
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