qualquer coisa
num verso intitulado mal secreto
 

14.3.11


[2:09 AM]

Uma das principais conquistas do cinema francês dos anos 60 foi o rompimento com a padronização formal que vigorava nas narrativas da época, a fim de garantir maior autenticidade às ideias contidas nos filmes. Os franceses embaralharam as cartas, pois sabiam que só um novo corpo seria capaz de sustentar novos pensamentos e posturas. Lembremos: o mundo estava em ebulição. Era impossível tratar dos desafios que se desenhavam à frente com o mesmo tom de voz, as mesmas roupas e a sisudez daqueles tempos que logo ficariam para trás. A nova onda bateu com força nos quatro cantos do mundo, e quando pouco depois aportou nos bueiros da Boca do Lixo paulista, Sganzerla sentenciou: “O novo cinema deverá ser imoral na forma, para ganhar coerência nas ideias”.

De lá para cá muita água passou por debaixo da rampa, e como eu não perco a oportunidade de fazer uma piada ruim, posso dizer que essa foi uma onda que Bruna Surfistinha não conseguiu dropar. Porque o diretor, Marcus Baldini, desconsidera completamente uma das principais conquistas que aconteceram a partir da marolinha francesa, e isso fica evidente observando um dado básico de seu filme: há um descompasso abissal entre o atrevimento e a ousadia que pontuam a história da menina de família que vira prostituta e o modo careta como essa história é contada. Soa tão convincente quanto uma beata dizendo sacanagens no meio da madrugada (quando todos sabemos que elas dormem cedo). Um discurso que carrega tintas de transgressão em seu idealismo juvenil não funciona quando praticamente anulado por vícios de teledramaturgia, com cenas didáticas (“qual nota você me daria?”) e uso apelativo da trilha sonora.

Aliás, um sacrilégio usar a melhor música do Velvet Underground e um hino de Bob Dylan de forma tão superficial, meramente ilustrativa, à maneira de Cameron Crowe em seus piores momentos. O único acerto entre os tantos nomes que figuram na trilha pertence aos Zombies, cuja “Time of the Season” cai como uma luva de látex na sequência de abertura.
A questão que me vem à mente é uma extensão de uma das perguntas feitas pelo Inácio Araújo em seu blog: o cinema brasileiro que visa o milhão de espectadores conseguirá se emancipar do formato narrativo imposto pelas novelas da Globo? Penso ser necessário que filmes de grande projeção aqueçam o mercado nacional, até para estimular produções menores e mais inventivas, corajosas, mas me entristece pensar que o cinema que quebra recordes a cada fim de semana seja pautado pelo comodismo e pelo medo de correr perigo, quando este é o real barato da coisa. Não peço um novo Viver a Vida, obra-prima sobre prostituição feita lá nos tempos da nova onda, onde o travelling era realizado numa cadeira de rodas. Mas penso que deve haver uma alternativa viável, uma força que permita limar o excesso de pudor e auto-controle recorrente nos manuais e encoraje o pulo no abismo, de olhos bem fechados, nem que seja pra quebrar as duas pernas e fazer com que a dita cadeira volte a ser funcional para o fortalecimento artístico dos nossos filmes.

E a Deborah Secco tá tão gostosa que fica até sem graça.



 


é isso aí, bicho

 

 


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