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Fui conferir a exposição com os trabalhos televisivos feitos pelo Andy Warhol no fim dos anos 70 e início dos 80, certamente a faceta menos explorada de um dos mais assediados artistas da segunda metade do século passado. Olhando para aquele material com o privilégio da distância, duas coisas acabam saltando aos olhos: não é um equívoco notar que muito da linguagem popularizada pela MTV em seu início germinou a partir das experimentações com a tevê feitas por Warhol, como o clipe tosco de Heart of Glass, do Blondie, as novelas suburbanas e politicamente incorretas idealizadas com poucos recursos e os programas de entrevistas, soltos e descontraídos ao contrapor a seriedade que pautava as entrevistas feitas pelas grandes emissoras da época com uma entrega e uma curiosidade que beira o lúdico, de tão juvenil.
Essa fome de conhecimento, aliás, foi o que mais me chamou a atenção nos vídeos da exposição. É notória a disposição de Warhol de navegar em diversos fluxos diferentes, abordando temas e pessoas das mais opostas posições. Dos travestis viciados em heroína às madames do Upper East Side, Warhol não faz distinção de cor ou classe desde que a pessoa se mostre interessante (ou, eventualmente, se imponha pela beleza). Tendo uma boa história, tens atenção e coração do albino maluco. E nessa jogada, entram momentos deliciosos: Spielberg na cama ao lado de Bianca Jagger confessando que não curte o cinema noir europeu; Sting contando as origens de seu apelido, no auge do Police; um colóquio animado com o jovem Basquiat; Divine, a bolha escatológica, se maquiando antes de entrar em cena num filme de John Waters; um papo com o papa Marcel Duchamp e outras mumunhas mais. O cara atirava para todos os lados. Por ter um repertório de interesses tão vasto, é natural que algumas coisas nos distraiam ou não chamem a atenção, como é o caso dos vários programas sobre moda, por exemplo.A contribuição de Warhol para a popularização das manifestações artísticas no contexto da sociedade de massas é inquestionável, mesmo que sua produção seja contestada de quando em vez por um ou outro que teima em falar sobre publicidade. O que resume não só a exposição que se encerra por esses dias no Oi Futuro como também a carreira do próprio artista, é uma frase dita por ele que lembro de ter visto num trecho do documentário Outros (Doces) Bárbaros, onde Gil e Caetano, em um daqueles devaneios baianos recheados de pérolas, lembram do homem que queria morrer de jeans: “Ser pop é gostar das coisas”. Então tá combinado. Antes fosse tão simples ser assim.Outras duas exposições com coisas muito interessantes que vi esses dias foram sobre Raymundo Colares, uma das mais criativas vozes da nossa pop art, e outra sobre os últimos trabalhos de Rubens Gerchman, mais conhecido como o pai da Lindonéia.Nunca tinha ouvido falar em Raymundo Colares, outro conterrâneo que se estabeleceu no Rio e depois rodou o mundo inteiro (ainda chego lá, aguardem). Nos anos 60 e 70, fez trabalhos retratando a cidade fragmentada, intensa e vibrante. Sua coleção Ônibus, com quadros representando espaços quebrados e cores fortes, reflete o olhar recortado do artista sobre o caos urbano, dilatando formas e deformando nossa noção de dimensão. Sobre ela, Colares certa vez disse: “O ônibus é como um homem que tem uma trajetória a cumprir e o fará de qualquer maneira, apesar de encontrar em sentidos opostos outras forças. E tentará vencer, forçando trajetórias contrárias e barreiras, já que fazem parte da vida essas ultrapassagens”. Bom, né? Os Gibis também são um barato, livros em branco feitos de cartolina colorida que procuram explorar camadas e formas diferentes à medida que se interage com eles, lembrando um pouco os trabalhos de Lygia Pape. Mais ou menos assim, ó: Era apaixonado por Mondrian e foi colega de Helio Oiticica. Mineiro, mulato nato, morreu queimado numa cama de hospital, após ser vítima de uma daquelas tenebrosas ironias do destino ao ser atropelado violentamente em uma avenida movimentada por um... ônibus.Para terminar, porque a sessão ia começar, fui dar uma rápida espiada nos trabalhos que Rubens Gerchman fez em seus últimos anos de vida, a grande maioria deles em serigrafia. O traço não é lá muito refinado, mas o uso das cores e a riqueza de tons impressionam pela beleza com que preenchem o espaço. Mas o que mais me atraiu no salão reservado para as derradeiras obras de Gerchman foi, na verdade, sua mais famosa criação, já quarentona (veio ao mundo em 1966): a esquecida Lindonéia, jovem de 18 anos que morreu instantaneamente. Assim que entrei no lugar meus olhos foram atraídos como um ímã para o ponto mais distante da entrada, onde ela repousa em sua solidão dilacerante - a Gioconda dos subúrbios. Por essa eu não esperava: em plena quinta-feira, um amor impossível.
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