[1:07 AM]
Com um espanto inflamado saí hoje da sessão de revisão de Encarnação do Demônio: não é permitido que a televisão desconfigure aquele que é o ícone máximo de nossa fauna cinematográfica, e não dou nem ao próprio o direito de diluir a força de sua imagem diante de nossos olhos sem que não façamos nada. Pelo menos grito, que é o que me resta. Quem vocês pensam que são?Na primeira vez, no primeiro fim de semana, na primeira sessão do dia, o impacto inegável da obra sofreu tremores pelo histrionismo com que a personagem do coveiro se apresenta diante de uma nova realidade, realçando o caráter antinaturalista de sua figura, acima do tom, fora do baralho. Foi o amadurecimento dos olhos ou a passagem do tempo? O colírio do movimento é também a pulsação retumbante da direção mais original de todas as tentativas de nosso cinema de gênero na última década, em conjunto com uma montagem espertíssima, oportunista, que deflagra território e insere nosso herói no círculo das principais produções do estilo (tão em voga naquele período e ainda hoje), apontando com unhas tortas para o futuro e encarando com olhos em brasa o tempo passado. “As imagens não morrem, capitão.”Eu sei. E se há um bode expiatório para que eu possa montar a culpa pelo fracasso de público do filme é a televisão, aparelho revelador que traz em sua miríade de imagens as contradições que alimentam a cultura de massa do Brasil, enquanto hipnotiza meninas de vestidos curtos e vende mentiras (o cinema inclusive), e que por uma questão de atraso e canibalismo suga todo o potencial estético de uma persona pungente como Zé do Caixão.40 anos de resistência, e a última imagem de Jece Valadão em nosso cinema é a de uma cabeça espetada num pedaço de pau, com um dos olhos vendados. O horror. Ele teria gostado de se despedir assim. Só os gênios usam tapa-olho. E não há potência mais criativa em termos de fogo do que José Mojica Marins em nosso cinema bunda mole. Se você não viu, problema seu. Fica o grito.
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