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O que Sganzerla quer com Abismu? Fundir cucas desprevenidas e depravadas e mostrar que, dentre os vários modos de filmar, ele prefere todos. Norma Bengell dirigindo pela estrada do Joá numa sucessão de cortes que não levam a lugar algum, exercícios de montagem que não prezam pelo sentido, mas pelo signo, exaltando as possibilidades que o abismo negro anuncia. As figuras icônicas, peças fundamentais em seu cinema (o bandido, a mulher de todos, Zé Bonitinho, o magnata dos quadrinhos), aparecem a todo vapor, devidamente caracterizadas, vulgares, beirando a grosseria - brasileiras. A exceção cabe a Zé do Caixão (sempre ele), ícone por excelência, cuja figura é sutilmente subvertida e dá espaço à elegância de Mojica, que lança o recado aos boçais de todo o mundo: uni-vos!
Voltando da tempestade após sete anos sem filmar, Sganzerla traz as divindades para a tela e explode a ordenação linear das coisas através da música de Jimi Hendrix. Não há o que entender, tentar é perder o prazer de se perder. Se a principal característica de sua obra é a absorção de elementos tipicamente enraizados no manto tupiniquim e regurgitados com a mesma força que os encerra na terra, a cada filme arrancando árvores de pau-brasil e lançando-as com fúria ao Atlântico, estamos, antes mesmo dos filmes, diante de um memorial. Mas, como diria o próprio, “não era arqueologia o que eu fazia, era poesia”.
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