qualquer coisa
num verso intitulado mal secreto
 

8.9.11


[12:14 AM]


Não há como não se entusiasmar com o cinema que vem sendo produzido no cenário contemporâneo brasileiro. É tempo de mudanças. São muitas as ideias, os conceitos e as alternativas – basta mergulhar um pouco mais fundo para descortinar um mundo por enquanto paralelo, em que a pulsão pela produção de imagens em movimento vem por todos os lados do país. Ainda não há um marco representativo, um filme que sintetize o momento, e sinceramente acho que com esse descontrole criativo dificilmente teremos um. Mas também não precisamos. Foi-se o tempo em que dependíamos de um bandido para nos recuperar do atraso. Em meio a esse turbilhão de imagens, é sintomático que vários desses novos filmes se percam na tentativa de atravessar diversas estruturas e emergir de todas elas com algo novo. O período que se anuncia é o da descoberta, e com ele a tranqüilizadora sensação de que finalmente voltamos a experimentar.
Nesse sentido, A Alegria pode ser considerado um filme símbolo da nova maneira como se vem fazendo cinema no Brasil. Negando a limitação genérica a todo instante, recusando-se a ser aprisionado em um segmento reducionista, o filme mostra jovens que, sentindo a potência que irradia de dentro deles e da própria cidade em que vivem, se voltam contra o comodismo e partem ao encontro da ação. No meio do caminho lidam com seres fantásticos, dramas familiares, sentimentos de inadequação, revoltas estudantis, descobertas pessoais, enfim, uma amálgama de elementos que representam o próprio passeio da narrativa por vários gêneros e seu desprendimento para com tais enquadramentos. É um filme de riscos, que recorta diversas molduras e não se restringe a nenhuma delas. É várias coisas ao mesmo tempo – e por isso não é coisa nenhuma.
A forma como se propõe a encontrar um caminho alternativo para refletir sobre as relações entre a juventude e o espaço no qual ela transita resultou no indesejável paradoxo, já que a pretensão em se projetar sem se ater acaba por atingir a superficialidade de uma bala sem gosto. As atuações, por exemplo, que negam os recursos naturalistas, impedem um diálogo mais amplo entre espectador e personagens simplesmente por não nos permitir uma aproximação mais direta. A total recusa às concessões faz com que o filme encontre o isolamento, a distância. Os conceitos, portanto, são animadores, mas a execução ainda não encontrou ressonância imagética para tantas boas ideias.
Felipe Bragança, um dos diretores, disse em um bate-papo no qual eu estava presente que a intenção era trabalhar a atuação no espaço entre a virulência do discurso e a apatia da ação, investigar o que há entre os dois pólos. É uma busca que revela o interesse pela ousadia, mas que termina por soar inexpressiva e vazia, visto a sensação de desencontro que deixa ao final.
Há um longo caminho entre os conceitos e as imagens que se derramam sobre a tela, e as curvas sinuosas propensas ao desvio fazem com que poucos filmes da nova safra, até agora, obtenham êxito na travessia sem se dispersar. Sendo assim, o filme de Felipe e Marina Meliande soa como o reflexo de toda uma geração, com as devidas exceções que confirmam a regra.
A Alegria é o segundo tomo de uma trilogia intitulada Coração no Fogo, e é precedido por A Fuga da Mulher Gorila e sucedido por Desassossego, ambos com propostas igualmente ambiciosas nos rumos à articulação de uma guinada estética no cinema brasileiro, porém com resultados de força ainda mais diluída, visto a radicalidade com que encaram a ideia de não pertencimento a uma compreensão. É um dos retratos possíveis de uma geração que lida com o desespero por encontrar caminho próprio em meio a cargas quase intolerantes de informação e acesso, vivendo um tempo onde não precisamos apenas nos esquivar de qualquer tipo de aprisionamento, mas também nos questionar, a todo instante, como proceder diante de tamanha possibilidade de libertação.



 


é isso aí, bicho

 

 


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