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Drive, de Nicolas Winding Refn (2011) Foi este, e não Malick, Von Trier, Moretti ou mesmo o nosso Trabalhar Cansa, o filme que mais me interessou a partir das impressões de críticos que costumo acompanhar após sua passagem por Cannes há uns meses. Grande parte das resenhas fazia referência à câmera lenta usada com inigualável senso de ritmo por Sam Peckinpah, à brutalidade de Charles Bronson e aos policiais norte-americanos da década de 1970. Era o suficiente. Não tive medo das expectativas. O filme está mesmo à altura de todo o entusiasmo crítico e do prêmio de melhor direção vencido na Riviera Francesa por Nicolas Winding Refn. O eixo central da narrativa está no atrito derivado dos movimentos de ação e retração do personagem principal. Ryan Gosling interpreta um dublê e motorista que diz uma dúzia de frases ao longo do filme, mas resolve todos os problemas que encontra à frente com seu silêncio implacável. Não há psicologismos e nem intenção de construir uma personalidade compreensível. Não sabemos quem é aquele sujeito, de onde veio e muito menos quais seus objetivos. O que marca suas atitudes é um individualismo frio, que esmorece apenas quando conhece a vizinha interpretada por Carey Mulligan. Há uma habilidade na maneira com que o filme trabalha o manual do gênero, buscando esquivar-se de soluções óbvias, que ressaltam o primoroso equilíbrio entre altas doses de violência com a tensão de dois corpos que se atraem desde o primeiro encontro (Samuel Fuller?). As fórmulas são reinventadas: logo no início, ao invés de acelerar para fugir do cerco policial, a mais usual das resoluções, o motorista simplesmente encosta o carro e desliga o motor, perturbando nossas expectativas no canto escuro da rua. As hesitações da vizinha quando o encara contrastam violentamente com uma cabeça sendo esmagada por chutes dentro do elevador, e é a mão do diretor que conduz toda a narrativa com a segurança de quem sabe o que está fazendo, costurando antagonismos (luz e sombra, barulho e silêncio, dia e noite, cúmplice e protagonista) e erguendo um vigoroso painel urbano onde a integridade pessoal é o mais valioso dos bens. Há também um quê de Taxi Driver, do compromisso honroso em aceitar um trabalho para proteger a inocência diante de uma sociedade corrompida. Vou rever hoje, mas desde Os Donos da Noite, de James Gray, não assistia nada tão impactante em uma sala de cinema. Com sangue, suor e sem perder a classe. Eu Receberia as Piores Notícias dos Seus Lindos Lábios, de Beto Brant e Renato Ciasca (2011) Como a maioria dos filmes assinados por Brant, a primeira meia hora dá sinais de que estamos diante de algo vibrante, contemporâneo, mas não demora para que o filme se desinteresse pelo que vinha apresentando de mais envolvente, desvencilhando-se dos riscos delineados por conflitos que não os meramente amorosos num cenário de grande riqueza cultural, geográfica e política como o estado do Pará. Há uma série de encontros e problematizações que o filme não faz questão de acompanhar (o pistoleiro, que não tem função nenhuma dentro da narrativa; os dois amantes, que se encontram uma única e inexpressiva vez; o estrangeiro e os locais, uma relação que é praticamente inexplorada), firmando-se sobre o triângulo apaixonado entre uma ex-prostituta, um fotógrafo e um pastor evangélico. Quando abandona todo o pulsante cenário de Santarém, no Pará, com suas cores intensas capturadas num tom quente, e volta para a metrópole, tão cara à obra de Brant, a coisa degringola e até Camila Pitanga, um vulcão em erupção e mais suculenta que nunca, atinge níveis de histeria que só se agravam até o final. Minha impressão é que se assumisse os riscos de colocar em crise os conflitos secundários que apresenta sem desenvolver teríamos uma obra mais forte, com algo a dizer. Do jeito que está é só mais uma história de amor, com uma atriz entregando-se em carne viva para dois diretores que, justificadamente, mostram-se hipnotizados por seu corpo. Ainda assim, o melhor filme de Beto Brant nos últimos tempos continua sendo Cabeça a Prêmio, de Marco Ricca.Martha Marcy May Marlene, de Sean Durkin (2011) Gosto de entrar no cinema sabendo o mínimo possível sobre o filme, e o título deste aqui logo me fez imaginar uma história envolvendo travestis e manicures desempregadas do subúrbio norte-americano (premiado em Sundance, sabe como é). Mas o filme vai para outro caminho, diametralmente oposto, e o título joga metalingüisticamente com a personalidade nebulosa de uma garota que entra em crise após fugir de uma seita ao estilo Charles Manson com sexo, jovens e violência. A montagem intercala tempos diferentes por meio de transições espertas, bem colocadas, e às vezes um único movimento de câmera no mesmo cenário trabalha em paralelo dois momentos distintos, uma fricção constante entre passado e presente filmada com certa dose de calculismo que não permite erros. É em função dessa matemática exigente que a direção acaba assumindo uma frieza em relação ao que é mostrado, o que potencializa o filme em alguns momentos (a principal cena de violência, por exemplo) e o enfraquece em vários outros (quase todas as cenas com a irmã e o cunhado). Mas é bom ficar de olho em Sean Durkin, é provável que venha coisa boa por aí.
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