[12:28 AM]
PLATEIA - Eu não queria fazer uma pergunta, queria fazer só um comentário sobre o comentário do Avellar, que é uma coisa que eu vejo com a minha pouquíssima quilometragem de cinema brasileiro, que uma das potências mais criadoras do nosso campo artístico vem da contradição, justamente dessa contradição que você colocou que pode ser uma barreira. Eu já acho que isso mexe com a gente de uma forma a instigar, a querer, a forçar a gente a querer transpor essa barreira das dificuldades e tudo o mais, até a fala que termina o Documentário (curta do Sganzerla de 66), citado pela Andrea, que é da próxima vez fazer tudo diferente, que agora não vai dar para fazer igual, nem nada disso. Por exemplo, você está no Leblon, você vê uma criança deitada na rua, isso é uma coisa que não vai te fazer querer escrever um poema sobre aquilo, pode ser até que você escreva, mas isso mexe com a sua sensibilidade de alguma forma e transforma a sua cabeça em relação ao mundo, em relação ao pensamento social de alguma maneira. E hoje eu vendo aqui esses dois filmes notei uma coisa curiosa, porque todos os dois têm essa coisa da contradição muito forte dentro deles. O Baixio das bestas, por exemplo, você trata dessa violência, da sobrevivência na sordidez, mas ao mesmo tempo você tem aquele momento idílico ali da menina deitada na cachoeira, aquela coisa bucólica daquela paisagem, o entardecer naquela região, é uma coisa que acaba fortalecendo o filme na minha visão. E também no O signo do caos você vê a diferença de tons ali, na primeira parte preto-e-branco e depois colorido, e no final achei que estava vendo um filme de terror praticamente, com aquela coisa da censura, já estava desesperado aqui, e depois ele desanda para uma comédia, para um certo pastiche, tem até a coisa da diferença das cores entre os momentos do filme. E o mais interessante para mim foi ver que, na verdade, eu não sei se isso foi consciente ou não, você podia depois até me responder, foi a colocação desses dois filmes para serem vistos em seqüência, porque o Baixio das bestas tem uma cena do Matheus que ele fala: “o bom do cinema é que a gente pode fazer o que a gente quiser”, e logo depois eu vi O signo do caos, que é um filme justamente sobre a impossibilidade de fazer cinema no Brasil, como é difícil, como você não pode fazer tudo que você quiser – mesmo que você imagine que sim, vai ser difícil que seu filme seja visto, que você possa se colocar inteiramente ali dentro, e eu acho que é essa fricção, essa contradição acaba gerando essa fricção que não se encerra num impasse, a gente não fica parado em relação a isso, a gente se alimenta, a gente se abastece. Essa fricção, essa contradição, ela gera a chama da criação, da potência que eu acho que é o que mantém o mistério das coisas, é o que mantém a paixão pelas coisas, é o que mantém a gente fazendo, vindo aqui. O que vai me manter vindo aqui essa semana e indo na Caixa também e é o que vai fazer com que daqui a dez anos, por exemplo, quando eu vier aqui nessa poltrona, sentar e falar com você na mostra dos Anos 10, dos anos 2010 do cinema brasileiro, eu continue querendo saber “que país é esse?”, porque sem mistério, sem paixão, você sabe que a gente não chupa nem um picolé.
* Comentário deste gaiato que vos escreve durante bate-papo com José Carlos Avellar, Andrea Ormond e Eduardo Valente durante a sessão dupla de Baixio das bestas e O signo do caos, que rolou dentro da mostra Cinema Brasileiro: Anos 2000, 10 questões há um tempo. Eles transcreveram as falas do debate e eu aproveitei pra deixar registrado neste sítio mi atrapalhada partecipazione no colóquio. Depois do bombardeio promovido pelos filmes, não é para menos.
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[1:41 PM]
"A moral burguesa é para mim o imoral, contra o qual se deve lutar: a moral fundada sobre nossas injustas instituições sociais, como a religião, a pátria, a família, a cultura; enfim, isto que se chama os 'pilares da sociedade'. Sim, eu fiz filmes comerciais, mas sempre segui meu princípio surrealista: a necessidade de comer não desculpa jamais a prostituição da arte. Entre vinte filmes eu tenho alguns péssimos, mas nunca traí meu código de moral. Eu sou contra a moral convencional, os fantasmas tradicionais, toda esta sujeira moral da sociedade introduzida no sentimentalismo. Para mim, Os esquecidos é efetivamente um filme de luta social. Porque eu me creio simplesmente honesto comigo mesmo, eu devo fazer uma obra social. Eu sei que vou neste caminho. Mas a partir do social eu não quero fazer filmes de tese. Eu observo as coisas que me emocionam e eu quero transpô-las para a tela, mas sempre com essa espécie de amor que eu tenho pelo instintivo e pelo irracional que pode aparecer em tudo. Sempre estou lançado para o desconhecido e o estranho que me fascinam sem que eu saiba jamais por quê. Sim, eu sou ateu graças a Deus; é preciso buscar Deus no homem e isto é muito simples...". Buñuel, oxigenando o universo.
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